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Ficção - Blog Posts

7 years ago

Sob o Olhar da Eternidade

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Leia agora dois capítulos deste livro:

A Xícara

Novamente, novamente e novamente. Todo dia era — quase, havia os quanta — tudo sempre igual. Quando a moça loira (antes havia sido morena, ou um rapaz, ou ainda uma senhora adorável cor de avelã, mas a entrega era sempre a mesma) lhe entregou, escorregando por sobre o balcão, a xícara de porcelana cheia de fumegante e cheiroso café, puro, preto, Milton Steinberg se arrepiou todo, como se fosse a peça de porcelana uma víbora! Então ele olhou em torno, só percebendo naquele instante que estava na cafeteria, a mesma de ontem, de antes de ontem, de todos os dias! Olhou de novo para a xícara, pois logo a superfície do café vibraria, captando, com suas ondulações, a explosão distante, e tudo recomeçaria, de novo e de novo. — O de sempre, senhor Milton. — Falou a atendente, com seu sorriso claro e sardento, como se o conhecesse há anos, como se fosse ela mesma que lhe entregasse aquela mesma xícara (seria a mesma? Átomo a átomo?) toda manhã. Sua mão trêmula pegou a xícara por cima, como quem pega um pote de alguma coisa perigosa. Foi neste instante que a jovem atendente viu a pistola na outra mão de Steinberg e foi recuando, dizendo: — Ai meu Deus, ai meu Deus... O homem armado arregalou os olhos, fitou a arma em sua outra mão, como se a visse pela primeira vez, embora soubesse claramente como ela tinha ido parar lá. Depois, com um movimento brusco da cabeça, relanceou em volta novamente, esticando a cara para fora da cafeteria, e foi então que ele viu homens uniformizados! Policiais, carcereiros! Encostados em uma viatura, não muito distantes dali, conversando soturnamente. Milton olhou de volta para a atendente, que, acuada, continuava rogando a Deus e a ele por misericórdia. Com um olhar de súplica, Milton apontou a pistola para a jovem, que se encolheu, mas se calou, chorando baixinho. Talvez, pensava o homem, suando e tremendo, mesmo que atirasse nela, ela, no dia seguinte, voltaria, ou talvez a versão idosa dela. Steinberg sentia um nó na garganta, o peito oprimido, talvez tivesse que atirar, o sistema estava ali, em torno dele, novamente, novamente e novamente, cada parte agora eternamente corrupta do sistema impelindo seu dedo no gatilho, talvez para atirar em si mesmo, antes que fosse arrastado e trancado por toda a eternidade em uma cela (onde quer que ficasse, naquele dia eterno, jazeria para sempre). Sem saber o que fazer, ele baixou um pouco o punho armado, percebendo que aquilo era inútil, terrivelmente consciente de que o dia, novamente, novamente e novamente, o levou até aquela xícara, ele chorou, agoniado. Na xícara, o café ondulou, rápida mas delicadamente, no mesmo instante em que Milton percebeu que seus carcereiros vinham correndo em sua direção, e em que ele levantou novamente a arma, pronta para atirar. Outros funcionários da cafeteria começaram a se esconder e a gritar. A jovem do outro lado do balcão exibia as mãos espalmadas à frente de si mesma, que ela agitava no ar, como se estivesse negando algo, pois sua boca, silenciosamente, repetia sem parar “não, não, não”…

Frente de Onda e Déjà Vu

A vida cotidiana é o veneno que se encarrega de envelhecer e enfim matar as pessoas. Ao menos Milton Steinberg pensava assim, quando, pela terceira vez naquela semana, despertou de mau humor, comeu alguma coisa, se banhou e vestiu, pegou a pasta tiracolo, pendurou no ombro, e saiu para trabalhar, as seis, como de costume. Brasileiro invulgar, não tinha a faculdade comum aos seus compatriotas de rirem no caos, e certamente devia ser julgado extremamente mal por isso, cercado de gente que ria enquanto era tratada como escrava por seus servidores públicos, administradores e pela comunidade economicamente dominante, de um modo geral. Não que Milton não sorrisse. Sorria quando via um azul perfeito no céu, ou algum raro ato de bravura ou bondade na rua. Mas em geral apenas enxergava pessoas fingindo que o que elas estavam fazendo tinha alguma relevância. Não tinha. Filósofo de quinta categoria, Milton sabia que sob o ponto de vista da eternidade, nada era perene, tudo se dissolveria no tempo e no espaço, ninguém seria lembrado por absolutamente nada do que fez, as pessoas mais famosas da mídia ou da história um dia, mesmo que levasse cem mil anos, seriam completamente esquecidas, e nada do que foi feito teria valor em si, a não ser como uma infindável corrente de repetição, nascer, viver, morrer para outros nascerem, viverem e morrerem depois. Certamente essa linha de raciocínio foi uma das precondições causadoras do que estava por vir. Ela o assaltava vez em quando, especialmente quando seguia para o trabalho na lata de conserva superlotada que as pessoas chamavam de trem, indo de Madureira para o Centro do Rio de Janeiro, e ainda mais especialmente quando seus olhos captavam algo estranhamente fugidio, um dos diversos pequenos eventos repetitivos que preenchem as vidas das pessoas, como por exemplo, um lampejo de luz na cúpula de vidro de um templo religioso qualquer, que teimava em fulgir justo nos seus olhos, quando passava por ali de trem. Naquele dia o evento se repetiu justamente quanto Steinberg matutava sobre sua filosofia barata e desanimadora (ao menos ele pensava assim), sobre o fato incontestável de que um amontoado de gente era enlatada diariamente em um ir e vir de horas, somente para que seus filhos e netos fizessem a mesma coisa, eternamente e indignamente. Quando o raio de luz o cegou, Milton piscou e imediatamente resmungou e praguejou entre os dentes. Sempre que aquele reflexo, que não dava a mínima para existência do sujeito, lhe cegava, ele pensava que no dia seguinte estaria em outro vagão, e que não se esqueceria de pegar sua condução voltado para o lado contrário de onde vinha o reflexo. E algumas vezes cumpria mesmo o intento, mas em algum momento esquecia, ou fatos como pessoas empesteadas de perfumes, ou com rádios altos, ou mesmo um pedinte que teimava em lhe pedir o dinheiro que não tinha e o encarar de forma rancorosa quando recebia um “não”, todos esses pequenos eventos, comuns, o conduziam, como o dançarino conduz a dançarina, reposicionando-o e girando-o, um pouquinho aqui, outro tanto ali, e zap! O reflexo o pegava de novo, bem nos olhos, o relâmpago cegante! Não acontecendo todos os dias, claro, mas acontecendo muitas vezes ao ano. Como era possível? Haveria algum destino? Não, não conseguia conceber um mundo-prisão onde você só existe nele para compor um quadro já pintado, sem chance de ser outra coisa além daquilo, tão pouco, que era. A bem da verdade Steinberg talvez tivesse mais medo daquela possibilidade do que argumentos razoáveis contra a veracidade dela. Zap! Imprecações, verborragia murmurada, tinha sido pego novamente, novamente e novamente por aquele flash de luz refletida na cúpula de vidro do templo. E por causa do pedinte, de novo, que por sua vez só entrou no mesmo vagão que ele por conta de ele ter ajudado outra pessoa perdida a achar seu caminho ao parar para dar uma informação e perder seu ônibus das seis e quinze que o levaria até a estação de trem, e, provavelmente ele só teve que parar para dar informação por ter feito um caminho mais longo para se desviar daquela mulher que morava na rua ao lado e que se achava a garota mais bonita do mundo e para o ego da qual ele não queria dar alimento a custa dela perceber que ele a achava mesmo muito bonita, enfim… E foi aqui que o cerne da ideia surgiu… Essas coisas se repetiam, não todos os dias, ele sabia, lia sobre essas coisas, sabia da incerteza quântica e etc, que alguns diziam nada ter haver com o mundo macroscópico em que vivemos, e se restringir ao nível atômico, mas ele duvidava muito disso, as incertezas é que mantinham os dias ligeiramente diferentes uns dos outros, pensava ele. Qualquer dia iria perguntar sobre esta sua teoria ao seu amigo físico, Rubens Castilho Lewroy, o velho Binho Cranião, Lewroy Cabeção, gênio do colégio e que trabalhava agora na Urca, naquele laboratório do governo. Iria sim, perguntar a ele. Um dia. Desceu do trem, na Central do Brasil, aquele monumento ao fato de que se trabalho dignificasse, aquele lugar naturalmente transpiraria dignidade, e não ruína política e social. Milton evitou uns menores provavelmente embebidos em crack e mal intencionados, driblou um camelô vociferante vendendo guarda-chuvas abertamente e celulares roubados mais discretamente, esquivou-se de motoristas que achavam que, nos sinais de trânsito, os pedestres é que deveriam dar passagem aos carros, e, enfim, descobriu que o ônibus que costumava pegar para o último trecho da viagem já havia partido antes do horário, então ele voltou à Central e, soterrando-se em outro transporte público, caiu no metrô que o esmagou novamente e o regurgitou na estação Carioca, de onde Milton emergiu como quem vê pela primeira vez, depois de décadas de trevas, os raios do Sol. Desanimado, pediu um café na cafeteria da esquina. Dona Glória (estava escrito no crachá dela), a atendente, com sua pele castanha e seu sorriso branco, lhe entregou o café preto e fumegante. O homem sorriu gentilmente para a graciosa senhora, em agradecimento, ajeitou a pasta tiracolo no ombro para poder pegar a xícara, olhou para a xícara, e parou de sorrir. Sobre a superfície de ébano líquido do café, ondas concêntricas se formaram, mas não no centro da xícara, e sim espalhando-se, da área voltada para Steinberg em direção ao lado oposto, ligeiramente mais distante do peito do homem. Nada demais, a vibração de um ônibus ou dos trens subterrâneos, se não fosse o fato de que duas outras coisas desconcertantes aconteceram neste mesmo instante: primeiro Milton sentiu sua carne vibrar a partir de suas costas até seu peito, como se o que empurrou a superfície do café tivesse passado por dentro dele próprio; e segundo, Steinberg teve a clara certeza de que tudo aquilo que estava vivendo já havia acontecido antes. Não a sensação vaga de um déjà vu, mas a certeza factual de que tudo estava se repetindo, não a mera e massacrante rotina cotidiana, mas de fato, de verdade, ele estava preso, horrivelmente preso, em um mesmo dia que, com algumas variações, era eternamente o mesmo. Não sabia como sabia daquilo, apenas sabia, como sabia seu próprio nome ou o que era uma xícara. À volta de Steinberg as pessoas pareciam vagamente incomodadas. Sim, muitas pareciam desconcertadas, ele achava, mas rapidamente voltaram aos seus afazeres. Elas haviam tido um déjà vu, mas Milton havia sido o único, por alguma razão incompreensível para ele, que sabia o fato de aquele ser o único dia que existiria para sempre. Olhou para trás de si. Ponderou. Sacou o celular para avisar que não iria trabalhar, e logo depois era engolido pelo metrô novamente. Era hora de conversar com o Rubens.

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11 years ago

Quietude - Parte 2

A segunda e última parte do conto que fiz quando entrei para a Real Sociedade dos Escritores Fantasmas. Se curtiram, participem! Usem os comentários aqui, ou lá na Fanpage, e escrevam suas opiniões, elas serão muito bem-vindas!

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Ludmila entrou no imenso pavilhão do Riocentro mostrando seu crachá, e, em seu português fluente, foi dizendo aos seguranças armados de fuzis:

— Jornal Die Welt, Alemanha. Tenho acesso aos debates principais.

O Scan de retina a identificou, e ela pôde passar. O caminho até o Riocentro foi tranqüilo, e ela pôde ver a maravilhosa exuberância do Rio enquanto seguia até o antigo centro de convenções. Depois que se tornou Estado Americano, a cidade era um gigantesco e arborizado conjunto habitacional, cheio de pracinhas delicadas, floridas, onde crianças brincavam. Sem balas perdidas, sem favelas, e muito em breve, o país todo sem nenhuma soberania. Ludmila tinha olhos ainda mais tristes, diante do pensamento. O Rio de Janeiro era um show-room montado pelo ocidente para o oriente.

No meio do burburinho, com toda aquela gente de mídia já saindo das salas de imprensa e indo para o imenso salão de debates, a fotógrafa ouviu uma voz conhecida:

— Lu! Lu, aqui! — Acenava para ela um seu colega fotógrafo, o Moura, que ela conheceu em sua passagem por São Paulo há uns anos, e antes fôra Eduardo Moura Júnior, e agora é um bastante próximo (o mais possível, para ela) o Moura — Venha, querida, temos cadeiras bem lá na frente.

Ludmila agora sorriu, docemente, acenando quase alegremente para o rapaz, talvez por causa das pílulas azuis, talvez por ver esperança no Moura e em seu sorriso franco, talvez por nenhum motivo especial. Mas era justamente aquilo que queria ouvir do Moura: que ele havia conseguido para ambos uma vista privilegiada do maior evento histórico daquela década: a discussão que traçaria metas para o fim das guerrilhas. Ela sonhava há muito tempo com este dia, o fim de todos os atentados.

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Ahmed chegou e seguiu pela passagem diplomática, onde, curiosamente, fizeram uma revista bem superficial que pouco o atrasou, e então foi recepcionado por outros chanceleres, seguiu todo protocolo, mas pediu que um homem de sua confiança verificasse e o avisasse quando todos os presidentes estivessem reunidos com suas comitivas dentro do Riocentro. Cerca de uma hora e meia depois, todos estavam presentes, sendo a última a chegar a vice-presidente americana Thierstein. O próprio presidente McAnderson estava muito indisposto, e ficou no hotel em Copacabana, foi o que informou seu homem de confiança a Ahmed.

Todos os líderes mundiais então tomaram seus lugares, que formavam uma meia-lua de vários níveis, no grande palco, deixando os políticos de frente para a platéia formada em sua maioria por jornalistas e personalidades. Thierstein começou a falar ao microfone, em um límpido português de Moçambique:

— Esta é uma noite histórica… — E imediatamente ela foi interrompida por aplausos entusiasmados de toda a platéia.

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Ludmila sentou-se na primeira fila. Ela tinha a impressão que o cavalheiresco Moura a estava cantando, novamente, talvez quisesse mesmo tomar uns drinques com ela, depois de tudo. Ela sorriu novamente, agora sem jeito, diante das perspectivas. Foi quando os líderes entraram em cena, e tomaram seus lugares. Ela, e dezenas de outros fotógrafos começaram a enviar fotos e filmes via Internet imediatamente para seus jornais. Sob a miríade de flashes, a vice-presidente americana se ergueu, bela e elegante como sempre, com seus 74 anos, e começou a falar, mas logo sua voz foi coberta pela entusiástica reação da platéia. A própria Ludmila aplaudia intensamente. Foi quando Mhd Ahmed se levantou.

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Mhd Ahmed Qanbar disparou.

— Com licença, senhora vice-presidente, mas eu preciso da atenção de todos agora! — Disse ele, levantando ambas as mãos para o céu, e só continuando quando todos os olhares se voltaram para ele: — Acabo de enviar aos aparelhos de todos os presentes, planos dos EUA para o uso de uma nova arma, já operacional, no Oriente Médio. Esta arma produz um pulso orgânico-energético a partir do corpo de um soldado, e este pulso é capaz de destruir completamente qualquer organismo vivo em um raio de 1000 quilômetros! Com alguns homens-bomba estrategicamente posicionados, todo o Oriente Médio, e talvez o mundo, fica a mercê dos EUA! — gritava a plenos pulmões o homem que não disparou os explosivos sob sua responsabilidade nos atentados em Madri. — Vejam os documentos, e acessem os satélites nos endereços anexados! Verão as fábricas que desenvolveram o que eles chamaram de Projeto Jihad!

Os repórteres se acumulavam diante do palco, fotografando, gritando perguntas, se acotovelando, enquanto os líderes mundiais acessavam os dados e demonstravam claramente seu horror diante da nova arma americana. Havia de tudo, inclusive documentos assinados com a chave criptográfica mundial da Casa Branca, as provas eram fartas e contundentes. Tanto que a vice-presidente começava a ser acompanhada para fora do salão por seguranças de seu governo.

— Isso precisa acabar! — Gritava Ahmed — Quantos mais vão morrer por causa da ganância capitalista? A liberdade americana custa sangue! O solo Americano é banhado do sangue do mundo!

— Nós fizemos sim! — Gritou a vice-presidente, em seu estilo decidido, desvencilhando-se de seus agentes, homens e mulheres em ternos negros — Mas porque não suportaríamos mais outro Dia Onze. Quantos houve desde 2001, Ahmed? Quantas vidas e quanto sangue Laden bebeu para se satisfazer? Achamos que nunca teríamos um homem como você na liderança de seu povo, precisávamos ter um modo de dar fim às mortes!

— Destruindo todo o oriente médio!?! — Vociferou Mhd Ahmed.

— Não! — Gritava a bela senhora, agora bastante descomposta — Apenas os líderes! Pelo amor de Deus, não somos terroristas!

— Mentira! Irmãos! — Clamou ele, voltando-se para todos os líderes do oriente médio — Esta noite é decisiva. Ela tem a arma definitiva, mas não tem mais a vantagem da surpresa! Precisamos nos unificar, mostrar a eles que Jihad é muito mais que destruição, pois senão eles vão mais uma vez deturpar o Islã, e usar a Jihad contra nós! Digam agora, se me apóiam, ou morram aos pés do capitalismo!

Houve silêncio. Um silêncio tenebroso. Toda a mídia esperando a resposta dos líderes orientais. Era uma possível declaração de guerra mundial, o início da Terceira, e talvez última guerra. Thierstein deu um passo à frente, indo em direção aos orientais, quando uma voz se fez ouvir no silêncio:

— Isto tem que acabar aqui. Olho por olho. — E Ludmila tomou um comprimido rubro, incandescente, que desceu por sua garganta expelindo radiação e acionando uma série de nano-geradores, indetectáveis, de energia, inseridos em seu corpo por alguém que, como ela, acreditava que o mundo precisava de novos líderes. Ludmila acreditava, há muito tempo, que não havia outra saída, que a única maneira de acabar com o horror dos atentados, era cometer o maior deles, e liquidar os homens e mulheres que mantinham o mundo como ele foi até aqui. E um momento depois Ludmila parecia ser feita de energia azulada e vibrante, expelindo ondas que iam cada vez mais longe, enquanto a moça sorria… Finalmente não precisaria mais das pílulas.

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Paz… Por muitos e muitos dias, não se ouviu uma única voz, nem o trinar de o único pássaro. Afora o uivo sombrio dos ventos, quase toda a região sudeste do Brasil foi tomada de uma quietude aterrorizante. A ausência total dos sons da vida.

FIM.


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11 years ago

Quietude - Parte 1

Meus caros leitores, partilho hoje com vocês a primeira parte deste conto (a segunda parte posto no próximo sábado), espero que curtam, é uma das primeiras obras criadas quando se reuniam os membros da Real Sociedade dos Escritores Fantasmas.

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Ludmila piscou algumas vezes. Havia usado um prendedor de roupas para fixar a cortina de seu quarto, de modo a luz do sol não entrar logo pela manhã. Mas o ventilador de teto fez a cortina arrancar o pregador. Seu quarto de pensão ficava voltado para o raiar do dia, e raramente ela conseguia dormir além das sete da manhã, quando o clarão ígneo irrompia no cômodo e se derramava sobre ela. Prática e econômica, não alugava um quarto caro, mesmo tendo dinheiro para isso.

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Mhd Ahmed Qanbar havia sonhado novamente com a guerra. Estava exausto quando acordou. Fazia muitos anos que dormia a base de remédios, e não descansava quase nada em seus sonhos. Suas mãos tremiam quando saiu da cama e cambaleou até o banheiro, que estava inundado pela luz do sol tropical que entrava pelo basculante. Ahmed fez sua ablução cuidadosamente. Então, tomando o Corão, voltado para o oriente distante, orou:

— Allahu Akbar. _ Disse, com a voz rouca. Era preciso desligar sua mente dos eventos deste dia fatídico que se iniciava.

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A moça se levantou, e espreguiçou o corpo claro. Era um dia de trabalhos, muitos, mas desejava ter perdido a hora, por isso “esqueceu” de programar o rádio relógio e tentou impedir o sol de nascer. Não adiantou. Mas, por outro lado, era bom estar livre dos umbrais escuros de pesadelos e traumas que era seu sonho desde onze de fevereiro de nove anos atrás, quando... Quando Luana e Ricardo morreram nos atentados a bomba em Madri. Ela tomou seus comprimidos azuis e, um pouco mais calma, relembrou o terror...

Desde que Laden havia perecido finalmente, alcançado pelas garras do grande satã, ele, Mhd Ahmed, havia sido eleito informalmente por todos os outros como um líder. Para muitos, foi o momento em que a causa se perdeu, para outros, o dia em que a luz da razão brilhou nos olhos dos Guerreiros de Alah. O fato é que Mhd Ahmed era um homem ponderado, menos afeto a eloquência dos atentados, e muito mais disposto a negociar. Pelo menos até ontem à noite, quando seu primo, Moqtada Al Qanbar, lhe mostrou os documentos que provavam que o grande satã havia desenvolvido a arma final.

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Ela queria muitos doces para o marido e a filha. Queria uma vida adocicada. Fora uma vida difícil até então, havia chegado a Europa como imigrante ilegal, e trabalhara em muitas coisas, algumas que ela preferia não lembrar, até o dia em que havia fugido de um tarado e pedia carona em uma estrada deserta em Cherez de La Frontera, e esbarrou (ou foi gentilmente levada pela mão do destino) com Ricardo. Fiscal de obras, ele dirigia um fora de estrada e a ajudou. Homem também castigado pela vida, Ricardo era divorciado e tinha receio que a psicose da ex-mulher o alcançasse, então ele vivia de cidade em cidade, percorrendo o país e fazendo manutenção de túneis de fibras óticas para uma grande companhia. Após quatro horas de viagem, e duas vidas partilhadas em uma longa e divertida conversa, sorriram um para o outro, e sabiam, intimamente, que iriam se ver novamente. Viram-se, casaram-se, e tinham uma linda filha, quando as prateleiras da San Ginés vibraram, anunciando a carnificina.

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Mhd Ahmed então percebeu, horrorizado, que finalmente, baseado nos grandes conflitos que incendiavam a Europa hoje, e a participação dos Guerreiros de Alah em combates estratégicos nas ruínas de Israel, o grande satã tinha o apoio da opinião pública necessário para exterminar o Islã com sua arma final. Era preciso detê-los, e a reunião do dia seguinte seria o único dia em que isto poderia acontecer.

— Moqtada, sou ponderador, sabe disso.

— Sim, Ahmed. Sei disso. Mas Alah fez com que estes documentos viessem as suas mãos talvez por isto mesmo. Veja, os malditos aniquilam toda a gente do oriente, e ficam com as terras de nossos ancestrais para si. Depois o que vai ser mais? Este Brasil e sua preciosa água? Todo o mundo? Satã estende suas garras horrendas sobre todos nós, e Alah pôs a decisão do que fazer quanto a isso em suas mãos. Estarão todos juntos esta noite, os líderes de nosso povo e os do ocidente. Amanhã. Não haverá momento melhor, nunca mais.

— Sim... Sim... Desde Madri que não sou forçado a tomar uma decisão tão terrível, primo.

— Como lhe prometi, mantive silêncio sobre Madri até hoje. Mas agora não há como não dizer: será covarde de novo, Ahmed? Vai virar as costas ao sofrimento e ao sangue?

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Foi horrível tentar esquecer o que viu em Madri. Ludmila levou um ano para parar de chorar. Outro ano para evitar o suicídio, e um ano mais ainda para começar a perceber que deveria ter um propósito, deveria andar, ir adiante, viver.

Ela pegou suas câmeras, verificou as conexões com a Internet delas, e guardou seu smartphone na bolsa, junto com um milhão de outras coisas guardadas em uma típica bolsa de mulher. Estava quase pronta, havia conseguido se concentrar nos afazeres do dia, apesar do tormento das lembranças, e tomou seu banho, pôs um vestido elegante e leve, pois era verão no Rio de Janeiro, e arrumou documentos e ferramentas de trabalho. Ela estava no Rio, a princípio, para cobrir a Cúpula do Oriente Médio, que reuniria no Brasil líderes de todos os países daquela região em um encontro para discutir medidas para acabar com a guerrilha na Europa e em Moscou. Ludmila era uma das melhores fotógrafas freelance da Alemanha.

Ela passava batom, quando se viu no espelho do pequeno banheiro. Estava chorando ainda, lágrimas quentes e amargas percorriam seu pálido rosto. Ela parecia agora uma madona. Pegou mais comprimidos azuis e os engoliu avidamente.

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Não demorou muito a tomar a decisão. Não havia outro que pudesse fazer aquilo. Ele, Mhd, estaria bem no meio de tudo, e de lá poderia disparar a bomba. Acordou, orou e meditou durante o dia, e chegando a hora, armou-se do que era necessário, e partiu para a Cúpula. Mhd Ahmed tinha o hábito de ser prático, e de agir sem pestanejar quando necessário. Dentro do carro oficial que o estava levando como representante da Al Qaeda para os diálogos de paz, ele vestiu o colete, verificou se tinha tudo que precisava a mão, respirou fundo e lembrou Madri. Naquela época sua decisão foi outra, ele achava.

Continue na parte 2, clique aqui.

Nota: Allahu Akbar : Deus é Grande (http://pt.wikipedia.org/wiki/Takbir).


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2 years ago
Achei Essa Imagem Por Acaso Em Uma Postagem No Facebook, E Ela Me Representa Tanto. Créditos Na Imagem.

Achei essa imagem por acaso em uma postagem no Facebook, e ela me representa tanto. Créditos na imagem.

O alívio.

O dia finda todo dia.

A noite pesa sem se importar

No escuro todas as emoções gritam.

Dor. Choro. Dor. Silêncio. Dor.

Ninguém sabe o que se passar

Palavras não são ditas.

A boca nem abre.

A mente grita.

Os olhos vermelhos de novo

Mais uma vez sem sono

Barulho, a cabeça não descansa.

A respiração descompassada

O soluço da alma.

Uma luz fraca

Um fio de esperança

A mão seca as lágrimas

Pega o celular

Desliga a notificação.

Bloco de notas...

Palavras. Frases. Parágrafos. Texto.

A paz

O alívio

Está lá. O que fazia barulho

Escrito.

Silêncio.

Os olhos fecham.

Pesou

O dia recomeça

O sono chega e lentamente.

Durmo.


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2 years ago

Entre um copo e outro

Um bar e outro

Até o dia nascer, o mesmo pensamento, a mesma batida: "Ele não quer mais estar na sua presença. Ele não quer mais você." embora pareça verdade, tem coisas, atitudes, dele que não dá para entender.

O ciúme, que não deveria sentir. A raiva, que chegou ao ponto de não conseguir falar comigo. O desprezo, de me ver nos lugares e fingir que não existo.

Mesmo depois de todos esses indícios a face nem treme em mentir dizendo que não sente nada por mim. E ainda ter a audácia de falar que eu, eu, estou com ciúmes. Ah não! Aí você foi longe demais, eu só tenho ciúmes do que é meu, no caso você nunca foi. Nunca teve amor, só tesão e curiosidade, que já matei, obrigada.

O fato de eu estar de bar em bar, é que o vazio que existe em mim dói, machuca, corroe, e isso vem de muito antes de você. São cicatrizes antigas, abertas, que não consigo fechar.

Então desculpa te desapontar mas foi só curtição, não tava emocionada, mesmo nossos amigos querendo tanto que ficássemos juntos, como namorados, mas, o fato é que você nem faz o meu tipo.

Gosto do bar vazio, da mesa no cantinho escondido, fico observando o entra e sai dos transeuntes e imaginando o motivo de cada um estar ali. Depois de vários copos e cigarros, eu me despeço do dono do bar, vou pra casa, banho-me, e caio na cama se o mundo não rodar eu durmo rápido.


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2 years ago
Mais Uma Vez Somos Só Eu E A Cama.

Mais uma vez somos só eu e a cama.

De novo e de novo.

Depois de um dia cansativo, a cabeça bem poderia me dar um descanso, mas não, ela tá latejando, me trazendo pensamentos que eu não queria, me obrigando a ver cenários que não me pertencem.

Queria controlar, poder parar de sentir toda onda de tristeza que me abate sempre que encosto a cabeça no travesseiro. Mas infelizmente não dá. As vezes fico paralisada fecho os olhos e fico gritando mentalmente para ver se consigo dispersar meu subconsciente e provocar um apagão mental só pra conseguir dormir.

Faço terapia as vezes me olhando no espelho falando comigo mesma, esperando que me ouvindo disparar os absurdos eu sinta paz. Tortura, parece tortura, loucura, será um dia passa?!

Algumas vezes escuto tua voz, como se tivesse aqui com a cabeça no ombro sussurrando as palavras que costumava falar quando tínhamos a oportunidade de dormir juntos e isso me assusta, pois parece tão real.

Uma pena que nunca vai saber disso. Na verdade é até bom que não saiba mesmo, não vai te fazer assim como não me faz. A doce ilusão de que poderia ter feito diferente e triste realidade de que você foi pior.

Enfim, mais uma vez estou eu aqui, pronta para ir dormir, brigando com meus pensamentos, tentando calar tua voz e matar sufocado os sentimentos.

Carol, 9/1/23


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