Art Collab with @senri-liyue
Eclipse: "So are you going on a date with Macaque or the Mayor? ...Though, I'm pretty sure that guy isn't the actual mayor."
Matteo sustentou o olhar dela por um instante longo demais, os olhos escuros parecendo pesar cada palavra dita. A sinceridade de Scarlet não o surpreendia — ele sempre soube que, para ela, ele era pouco mais que uma lembrança apagada. Mesmo assim, alguma parte dele, pequena e teimosa, se encolheu diante da confirmação crua. Ele passou a língua pelos lábios, num gesto distraído, e soltou um suspiro baixo, quase um riso sem força. A mão subiu até a nuca, bagunçando os cabelos antes alinhados para o sermão. Matteo olhou para o chão, para as rachaduras no cimento, como se ali encontrasse a única resposta verdadeira.
Quando falou, a voz saiu rouca, arranhada pelas coisas que não dizia. "Não muda nada, Scarlet," deu de ombros, mas o movimento era mais pesado do que queria deixar transparecer. "Só achei… que talvez fosse menos insuportável. Pra todo mundo," ergueu o olhar de novo, a expressão cansada, mas havia uma ponta de desafio ali, algo quebrado e orgulhoso demais para se render completamente. Ele estava cansado de todos eles agindo uns contras os outros — não era como se ele quisesse estar naquela situação.
"E não, não tô esperançoso. Nem burro a esse ponto." A boca puxou um sorriso torto, sem humor. Ao contrário do que todos achavam, Matteo não era esse nível de burro — não confiava cegamente naquele grupo. Ele precisava fazer o que podia se quisesse chegar na verdade. "Bem, talvez seja melhor parar de tentar achar lógica nas coisas." Matteo enfiou as mãos nos bolsos da calça, balançando o corpo levemente para trás como se se preparasse para se afastar. Mas ficou parado ali, preso numa linha invisível que ele mesmo não conseguia atravessar.
Matteo já tinha certeza de duas coisas — primeiro, definitivamente não queria estar ali. Segundo, definitivamente não ia conseguir sair agora. Matteo não lembrava de ter aceitado participar da brincadeira, mas lá estava ele. Sentado, fone de ouvido nos ombros, tentando entender em que momento deixou de controlar o próprio caminho naquela noite. Provavelmente no instante exato em que os olhos dele cruzaram os dela — e Scarlet, com o típico jeito dela, simplesmente não se importava se ele queria estar ali ou não. Com a falta de som ao seu redor, o mundo inteiro parecia suspenso. Scarlet estava à sua frente, e Matteo se forçou a respirar mais fundo do que precisava. A decoração da sala parecia mais quente do que o normal, com as luzes em tons de vermelho e dourado transformando o ambiente num lugar claustrofóbico demais para alguém que andava evitando até os próprios espelhos.
Ela articulou algo com os lábios. Devagar. Clara. Precisa. Matteo deveria estar prestando atenção. Mas tudo nele se fixou na forma como ela movia a boca — no contorno perfeito, no leve brilho do batom que parecia recém-retocado, na forma como ela dizia cada palavra como se fosse uma sentença. Matteo sentiu o ar preso no peito. Um calor estranho subiu pelo pescoço, e não era só pela iluminação ou pela proximidade. Era a forma como ela dizia aquilo. A forma como os olhos dela não recuavam.
Ele piscou, tentando retomar o controle. Tentando se lembrar de que era só um jogo idiota com frases aleatórias. Mas não soava aleatório. Tirou um lado do fone com a ponta dos dedos. A voz saiu mais baixa do que esperava, “que tal tentar algo mais inofensivo? Uma palavra?” Porque ele estava confuso se estava entendendo aquilo como uma palavra ou uma provocação. Colocou o fone de volta antes que ela pudesse responder, como se precisasse se proteger da resposta. Mas o estrago já estava feito. Ele ainda sentia o calor dos próprios pensamentos queimando sob a pele.
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Mais uma dinâmica na qual não queria participar mas se sentia ao menos na obrigação de tentar. Não era a pessoa mais divertida, nem a mais animada para esses jogos, ainda mais com toda aquela decoração romântica a sua volta que quase parecia a sufocar.
Mas antes que cogitasse sair dali, avistou a imagem familiar e se aproximou, sem rodeios e sem demora, o empurrando na direção onde pudessem jogar. Matteo parecia um pouco perdido, sem nem entender o que estava acontecendo, muito menos o motivo dos olhares os encarando. Scarlet, por sua vez, não dava a mínima para as pessoas ao redor, apenas queria entender onde aquela dinâmica os levaria.
Toma. - Entregou-o o fone, deixando claro como que se iniciaria a brincadeira. Ambos ficariam sentados um na frente do outro, precisando interpretar exatamente o que o outro dissera. - Calma, duas palavras! - Tentou deixar claro que era algo duplo, e ao menos isso ele entendera... Respirou fundo, negando com a cabeça e pensando em só dizer o que precisava. Já havia recebido uma orientação, falar de coisas marcantes de si, do outro, alguma qualidade, mesmo que não se lembrasse muito das de Matteo. - Lábios vermelhos. - Não podia fazer mímica, não podia mostrar, então ele teria que realmente prestar atenção e se concentrar. - Lábios vermelhos. - Repetiu mais uma vez, pausadamente, com o máximo de calma que conseguia.
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Matteo soltou uma risada sem graça, nasalada, "até parece." Matteo quase apontou que quem tinha aparecido na academia foi ele — território que era seu de costume. Ali... Como ele saberia que era Aleksander que estava naquela atividade? Era obviamente uma pegadinha de mal gosto. Ou alguém que acreditava demais naquela coisa de maldição e havia enlouquecido. Seria a maior ironia do destino Aleksander e ele serem almas gêmeas. Não, Matteo se corrigiu, não havia como serem. Era resoluto! Ele não era o James, afinal. "Claro, claro, deixe eu salvar o seu tempo — eu sou um brutamontes sem cérebro, que se veste igual a um mendigo e devia aprender a penter meu cabelo," falou e fez uma pausa antes de continuar, como se analisasse se a sua resposta estava correta, "ou algo nesse sentido."
Não poderiam ser mais diferentes. Matteo teria ficado mais que satisfeito em apenas sentar ali e esperar o tempo passar. Normalmente, preferia o silêncio confortável de estar com alguém que gostava, mas não se importava com o silêncio desconfortável. Na maioria das vezes era tudo o que ganhava de qualquer forma. A sugestão de Aleksander, cortando o silêncio, foi inesperada. Ele levantou o rosto, confusão escrita em suas feições e as sobrancelhas franzidas tão juntas "O que você sugere, Aleksander?" A falta de sarcasmo na voz do outro fez com que Matteo hesitasse em uma resposta implicante. Ele sempre considerou Aleksander um mauricinho que nunca teve um problema na vida, então nunca soube ouvir 'não'. O estopim claro foi quando ele ouviu um 'não' de Olivia, então ele culpou a única pessoa que não era do seu círculo, e assim Matteo se transformou no bode expiatório. Não que eles nunca tiveram problemas antes — Matteo nunca teve muitos amigos de qualquer forma. Porém, se Aleksander não estivesse agindo como habitual — agressivo e sarcástico —, como ele poderia dar uma resposta ríspida e dizer que era apenas uma reação as atitudes do outro? Matteo sempre achou que seria mais fácil se eles simplesmente se evitassem, agora ele preferia que Aleksander voltasse a chamá-lo de burro. Era muito mais fácil ter um motivo para achá-lo irritante do que observar a luminosidade parca das velas distribuídas pelo quarto refletir na pele do outro, como se dançassem. Balançou a cabeça, tentando dissipar aqueles pensamentos estranhos demais para sequer aparecerem.
Não conseguiu sustentar o olhar por muito tempo. Era confuso demais. Olhar para Aleksander trazia a tona questionamentos que ele havia preferido ignorar até então. Tinha racionalizado que nada teria acontecido se eles soubessem quem eram naquela noite. Não havia nenhuma chance que ele e Aleksander pudessem sequer se interessar um pelo outro fisicamente — o estilo do playboy era tão engomadinho e esnobe que Matteo... ele o quê? Não podia conceber que poderia gostar daquele estilo? Até a festa ele também não tinha certeza que tinha interesse no mesmo gênero. Qualquer um menos ele. Foi a única coisa que conseguia pensar depois. Não tinha problemas em admitir a nova sexualidade (ou a sexualidade que sempre teve e só não explorou), mas recusava a aceitar qualquer interesse em Aleksander. E, ainda assim, estava ali sentado pensando no beijo entre eles, nas mãos passeando pelo outro ('prefiro descobrir com as mãos', lembrava da maldita frase também), e na maldita sensação de formigamento em suas mãos naquele momento como se quisesse tocar novamente. Ele fechou as mãos em punhos, cravando as unhas nas palmas para que a sensação cedesse. "Você não pode está sugerindo a massagem," até porque se ele tivesse com as mãos ao redor do pescoço de Aleksander, podia ser perigoso — para os dois, porque ou ele mataria Aleksander, ou pior... "E eu não estou emburrado. Eu só —" tenho medo de chegar muito perto e fazer algo que eu me arrependa? Tenho medo de não ter autocontrole suficiente? Beijaria meu inimigo novamente aparentemente? Não tinha nada em sua mente que ele pudesse falar em voz alta, "—estou esperando o tempo passar."
Alek estava na sala, absorto em seus próprios pensamentos enquanto tentava entender o que exatamente estava acontecendo. Ele ainda não conseguia se livrar da sensação desconfortável que o acompanhava desde que entrou naquela experiência de autocuidado. O bilhete anônimo havia lhe dado a impressão de que ele se encontraria com Olivia, mas um convite vindo dela não fazia o menor sentido.
Foi quando a porta se abriu, e Matteo entrou. Alek piscou, estupefato, quase sem acreditar no que via. Sua reação inicial foi de total surpresa, seguida de um riso seco e incrédulo. "Só pode estar de sacanagem com a minha cara..." Alek murmurou para si mesmo, quase rindo da situação absurda. Ele olhou ao redor, como se procurasse uma câmera que iria anunciar a pegadinha a qualquer momento. "Você por acaso tá me perseguindo? Que porra é essa?" Queria sair imediatamente dali, mas quem quer que tenha tido a ideia genial de trazê-lo ali, estava comprometido a mantê-lo ali com aquela porta trancada.
Era óbvio para todos o desprezo que tinham um pelo outro, mas ser jogados juntos em um ambiente tão íntimo parecia cruel demais até para os padrões de Khadel. "Bom, também não sei o que passou na cabeça deles. Você é, definitivamente, o oposto do que eu esperava." Alek bufou, frustrado, sentindo que a situação só piorava. O que ele deveria fazer? Ficar ali, de braços cruzados, com cara fechada, esperando que alguém resolvesse libertá-los? Ele certamente não queria se render à imagem de coitado derrotado, como Matteo parecia estar fazendo.
Embora sua frustração fosse a emoção predominante, algo mais o distraía. Alek não pôde evitar roubar uma olhada para Matteo. Os braços fortes, o jeito como os músculos flexionavam diante a maneira que ele se postava — aquilo tudo foi uma distração inesperada que, de alguma forma, apaziguava sua raiva. A memória do que aconteceu no baile voltava à mente de Alek com mais frequência do que ele era capaz de admitir. E vez ou outra, ele se pegava brincando com a echarpe de seda, como se o toque do tecido quase pudesse fazer o momento voltar à tona. Ele sabia que havia dito a si mesmo que o souvenir era só uma provocação, mas a verdade era que, em algum lugar bem fundo, ele sabia que significava mais.
Com um suspiro pesado, Alek pigarreou, tentando afastar os pensamentos confusos. A raiva parecia ter dado lugar a uma vulnerabilidade que ele não queria admitir. "E então? Vamos ficar aqui, emburrados, durante a próxima hora? Ou tem alguma coisa melhor para fazer?" O tom não tinha a mesma agressividade e sarcasmo de sempre. Havia algo mais, algo que Alek não queria deixar claro, mas que se infiltrava em cada palavra, uma necessidade enterrada que se tornava impossível de ignorar naquele confinamento forçado.
Matteo decidiu ficar calado com o murmúrio. Parecia que nada que falava ou fazia em relação à Helena dava certo. Ele estava sempre errado de alguma forma — porque ele não dava abertura, ou não fez o comentário correto, ou olhou de forma enviesada. A luz filtrada pelas ervas penduradas parecia brincar com os contornos do rosto dela — e ele odiava que tivesse reparado nisso. “Se ela jogar água em mim, eu juro que levanto e vou embora. Espiritualidade tem limite.” Tentou manter o tom leve, mas o incômodo era difícil de disfarçar. Sentia a camisa colando nas costas por causa da umidade, e não era só suor físico. Era o peso do espelho, da imagem que o perseguia mesmo ali, mesmo com tudo coberto, borrado, envolto em incenso. Virou o rosto só o suficiente pra encará-la quando ela falou sobre escolher. “Se desse pra escolher isso, eu encomendava três litros,” murmurou, ultimamente ele precisava bastante disso. “Mas acho que coragem é o mais próximo,” fez uma pausa, “coragem é bom. Clareza também. Mas se tiver um item extra chamado ‘me deixar em paz’, eu levo esse.” Tentou brincar, mas a voz saiu mais baixa. Um fio de verdade passando ali. Ele cruzou os braços, desviando os olhos outra vez, como se pudesse se proteger só com isso. “Vamos escolher logo antes que ela volte com um galho de arruda.”
Aquela velha louca parecia que tinha enchido a cara de café, nunca em toda vida Helena tinha visto a mulher ser tão rápida quanto no momento que ela lhe escolheu junto com Matteo para aquela maluquice. Obviamente ela não iria ficar contra a curandeira, mas não deixou de arquear uma sobrancelha ao ouvir o comentário de Matteo, um sorrisinho enviesado se formando nos lábios enquanto o cheiro de lavanda e hortelã começava a envolver o ambiente "Nossa, que incentivo, hein?" murmurou baixinho de volta. " Aguentar um pouco? Matteo, amor, essa é a parte fácil. Da corda para ela para ver se não começa a jogar água em você pra te dar "clareza espiritual"… aí sim você vai ver o que é sofrimento." tentou brincar, mas a senhora pareceu ouvir. A parte boa é que ela só ignorou. O calor do ambiente, a umidade dos sprays de ervas e a iluminação suave provocavam nela uma sensação de estar dentro de um sonho que beirava o desconfortável. Ela deu uma olhada rápida para Matteo enquanto a curandeira começava a entoar as primeiras palavras da bênção, falando de equilíbrio, de reencontros espirituais, de almas que cruzam caminhos por um propósito. "A gente vai escolher o quê?" sussurrou, um pouco mais séria agora, virando-se na direção dele. "Não sei você, mas eu tô bem inclinada a escolher coragem. Ou talvez clareza. Ou sei lá... será que dá pra pedir uma mistura que inclua "parar de surtar"?"
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com @eusouscarlet em leitura labial
Matteo não sabia como tinha parado ali. O nome da atividade estava num quadro pendurado no ateliê de Artes, no terceiro andar. Leitura Labial – romântico e divertido! Com corações desenhados em giz rosa e glitter. Era um pouco demais para uma cidade que na teoria não podia sentir o amor. Suspirou fundo, cruzando os braços enquanto observava de longe a movimentação. As pessoas pareciam animadas demais pro gosto dele. Risadinhas, empurrões, gente encarando umas as outras com segundas intenções. Nada disso fazia sentido.
Matteo já estava virando para sair do caminho quando percebeu que, de alguma forma, tinha sido empurrado para participar. Literalmente. Alguém riu atrás dele. O empurrão não era figurado. Por algum motivo, ainda tinha gente demais olhando pra ele. Talvez fosse o corpo — que ele já tinha aprendido a controlar. Ou talvez fosse ela. Dava pra sentir no ar quem era o seu par na dinâmica, provavelmente também à contragosto. A presença dela tinha uma temperatura própria: quente e, ainda assim, gélida. Sempre que Scarlet estava por perto as coisas pareciam ficar… tensas. Não era o tipo de mulher que tentava ser simpática Ela, pelo menos, era honesta no desprezo. Ou talvez só gostasse de brincar com os nervos dos outros. O fone de ouvido foi colocado sem muita cerimônia. Música alta. Baixo vibrando no maxilar. Ele suspirou, ajeitando os fios atrás da nuca enquanto se perguntava por que, exatamente, ainda frequentava eventos comunitários de Khadel. A maldita cidade parecia sempre arranjar um jeito de colocá-lo em situações constrangedoras. Matteo não disse nada. Só encarou. A mandíbula tensa, o maxilar marcado pela raiva contida. Ele odiava esse tipo de situação — essas armadilhas sociais disfarçadas de brincadeira inocente.
O primeiro movimento de lábios aconteceu. Lento, teatral, debochado. Matteo franziu o cenho, tentando decifrar. A boca se mexeu como se soubesse que ele falharia. “Macarrão com leite?” arriscou, sem pensar muito no que de fato estava sendo dito.
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com @christopherd-amato no jogo dos 3 erros
Uma das poucas dinâmicas que dava para fazer sem um par, Matteo pegou o jogo dos 3 erros na primeira oportunidade que apareceu, tentando achar um tempo sem os infinitos questionamentos de todo mundo. Quando vocês vão se apaixonar? Quando a maldição vai ser quebrada? Quem é sua alma gêmea? Matteo estava sufocado. Preferia a atenção quando todos achavam que ele era um esnobe, burro, e que ninguém era bom o suficiente. Ao menos, não tinha relação ao fato de coisas fora do seu controle. Diferente do que parecia, Matteo não gostava da atenção. Não de verdade. Era uma reafirmação para o seu ego, que ainda se via como o menino desengonçado de quatorze anos, que cresceu demais e os membros não coordenavam com o restante dele, mas a atenção não lhe dava nenhum conforto. A rede social era um emprego, não sua vida real, e não podia ser mais bem administrada por pessoas competentes em transformá-lo em alguém interessante.
Estava concentrado no jogo — em que era relativamente bom, quando ouviu alguém falar: "Vocês tem prioridade em pares," a pessoa que auxiliava o patrocinador falou, trazendo uma pessoa para o seu lado. A frase já indicava que era um dos outros nove. Matteo quis rir quando olhou para o lado e viu Christopher. Claro que era — o público geral não sabia que eles não eram almas gêmeas, não poderiam ser, e Christopher fez questão de ficar gracejando com isso. Não que ele quisesse ser, mas qualquer cordialidade naquele grupo parecia passar distante. Ele se sentia de volta para o ensino médio com as crianças populares fazendo bullying. Não importava qual era o motivo — não era esperto o suficiente, não era bonito o suficiente, não era cordial o suficiente... Nada era suficiente. O problema nunca foi ele, eram os outros. Era tudo que eles podiam fazer para acabar com seu próprio desconforto. Só que Matteo nunca descobriu isso. "Tenta não me atrapalhar," Matteo murmurou, irritado que tinham acabado com a sua paz, "você pode pegar a próxima rodada."
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com @alekmoretti em autocuidado e terapias táteis
"Ah," o assistente disse alto, batendo as palmas juntas, com uma felicidade nada necessária, "ele disse que a dupla dele ainda estava aqui fora." Matteo olhou ao redor, esperando que ele estivesse falando com outra pessoa, mas só tinha ele no momento ali. Franziu as sobrancelhas juntas. Será que alguém estava lhe pregando uma peça? Matteo estava mais do que acostumado com algumas perripécias de desconhecidos para ficar sozinho com ele, como se ficar sozinho fosse fazê-lo mudar de ideia sobre o que ele queria, mas num evento que parecia tão obcecado nos apaixonados e na maldição, não fazia sentido fazer algo dessa forma. "Acho que você está me confundindo com alguém," respondeu, apesar das chances dele ser confundido serem ínfimas. Confundido com a porta? Bem que ele preferiria. Seria alguma surpresa de Olivia? Ela adorava essas coisas. Mas eles já estiveram naquele stand — não faria sentido estarem ali novamente. Apesar do dobro do tamanho, Matteo não ofereceu resistência para o assistente. Imaginou que ele só estivesse fazendo o seu trabalho, e por saber que ele podia machucar a maioria das pessoas normais, ele raramente oferecia resistência.
Foi empurrado para dentro de um outro quarto, levemente irritado. Seu humor nos últimos dias não estava dos melhores. Entre o fracasso do ritual, o maldito espelho, as lembranças do baile dançando em sua mente quando menos esperava... Matteo já nem sabia se amor realmente importava. Pelo que ele estava fazendo aquilo? Amor? A ideia era quase risível. A única pessoa com quem se importava era Olivia, e se ela não fosse sua alma gêmea? Estava cansado daquela brincadeira da Zafira — ela estava fazendo uma grande piada deles. Quando seus olhos se depararam com a pessoa que parecia ter perdido o parceiro, Matteo balançou a cabeça rapidamente, negando como se tivesse preso dentro de um sonho ruim. "Não — não," ele rosnou por baixo da respiração, virando para a porta, "tem algum engano aqui." Sua voz era veemente. Ele tinha que sair dali. "Divirtam-se," o assistente falou antes de sair e, com um click metálico, trancar eles ali dentro. Matteo não lembrava disso de quando esteve ali com Olivia. Não tinha certeza se aguentaria Aleksander enchendo o seu saco por algumas horas. Talvez partisse para assassinato. O outro era movido a uma pilha inesgotável — como se lhe encher o saco o energizasse — e Matteo, quem nem em seus melhores dias conseguia tolerá-lo, não estava nos seus melhores dias.
Ele suspirou pesarosamente e decidiu se sentar no chão, em silêncio, como se sentar na cama fosse perigoso demais. Tentava racionalizar que o beijo entre eles apenas havia acontecido porque não sabiam quem era o outro — nunca teria acontecido em circunstâncias normais, nem fora daquela festa. O único problema era que o fato lhe atormentava demais para algo que ele dizia não importar. Descansou os cotovelos nos joelhos e cruzou os braços para abaixar a cabeça, como se não olhar ao redor fosse fazer o tempo passar mais rápido. Se não fosse maluquice, ele diria que Aleksander planejou aquilo para lhe encher o saco — assim como havia aparecido na academia com parte da sua fantasia para lhe assombrar. Para quem me odeia tanto, ele aparece um assustável número de vezes na minha vida sem ser convidado, pensou. "Não sei porque eles pensaram que eu era seu par," finalmente falou, se defendendo daquela maluquice. Não era uma novidade na cidade que Matteo e Aleksander não se davam bem. Talvez o assistente apenas acreditasse que era uma boa pegadinha, colocar os dois 'apaixonados' que se odeiam numa sala para se massagearem — como se eles fossem fazer isso.
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Franziu as sobrancelhas juntas, optando por não dar uma resposta a primeira interjeção que ela fez, como se devesse ser claro para ele. Sua personalidade podia ser um pouco direta demais — bruta até — para que ele conseguisse dar uma resposta que retrucasse e ainda soasse amável. Matteo definitivamente não tinha aquele domínio. Talvez ela não tivesse entendido que não tinha a ver com ela, mas sim com ele. Ele quem precisava que ela aceitasse sair dali, ao invés dele mesmo ter que confirmar que não queria estar ali. Ele que não tinha nada a ver com aquela tenda estranha. Mas seria ele também que ia ter que engolir os seus gostos e tentar aquele encontro. Por Olivia. E, a última coisa que ele queria fazer, era brigar por conta de uma dinâmica estúpida de Khadel — por mais que tirar as roupas fosse a última coisa que ele queria.
Matteo normalmente não tinha problemas em ficar semi-nu. Era parete do seu trabalho e ele lidava bem com as inseguranças que ainda existiam. Não era como se tivesse satisfeito ao se olhar no espelho, mas, desde a sessão com a Zafira, as coisas haviam deteriorado. Era quase como se ele também não sentisse seus músculos, além do olhar no espelho e não enxergá-los. Tudo que podia ver, ou sentir, era o Matteo de treze ou quatorze anos. Aquele Matteo não tinha chance alguma com essa Olivia. Ou com qualquer outra pessoa. Aquele Matteo não teria a carreira que tinha, ou qualquer outra coisa do seu presente. Agora que ele não podia ver como havia alcançado aquilo, sua vida parecia uma farsa.
Respirou fundo enquanto ela parecia interessada em olhar os potes e frascos. Matteo não achava que ele estava muito diferente do seu usual. Normalmente, ele parecia tenso, ou indiferente, ou com uma expressão de poucos amigos que ainda assim não afastava metade da cidade, que parecia determinado a quebrá-lo. Descobrir a sua sexualidade, ou conseguir conquistá-lo parecia uma espécie de hobby olímpico em Khadel, apesar das suas inúmeras tentativas de acabar com as investidas. "Não," disse com firmeza, decidido que não podia estragar a primeira oportunidade que conseguiam de ficar juntos novamente, "não tem importância." Tinha, mas ele não queria estragar o primeiro encontro que tinham em anos, sem contar aquele do Giardino — que talvez não fosse tão encontro assim. Ele sabia que teriam que conversar sobre aquilo, cedo ou tarde, mas falar de Aleksander em qualquer situação já era o suficiente para acabar com o humor dos dois — no acontecido então, seria infinitamente pior. Só não seria pior se ela ouvisse de outra pessoa. Mas colocou o seu melhor sorriso no rosto para tentar mudar como se sentia no momento, "não podemos pular a massagem."
O lugar era bonito, calmo, perfumado. Uma mistura de lavanda, citronela e algo levemente doce que ela não sabia nomear. Olivia optou por um look romântico e delicado, com blusa floral de mangas bufantes, jeans claro de cintura alta e tênis branco básico. O cabelo semi-preso com scrunchie, uma vibe leve, sonhadora e feminina muito diferente da imagem de mulherão que imprimia todos os dias pela cidade. Mas ela queria se sentir mais livre, mais ela mesma, especialmente se queria se reconectar com o Matteo, não podia ir munida das máscaras que costumava usar. A presença dele ao seu lado era tão física que parecia mais um cheiro, uma temperatura, uma vibração na pele. Tiveram dificuldade de marcar um encontro depois do Il Giardino, as agendas de ambos pareciam não bater, mas não os impediu de tentar. E conseguiram. Olivia ouviu com atenção o profissional explicar os tratamentos disponíveis. Até que ficaram sozinhos. Ela virou o rosto para ele devagar, o olhar focado nos olhos, como se escavasse algo. Estava de peito aberto ali, mas precisava que ele também. — É, Teo. Eu tô aqui, não tô? — Falou baixo, quase doce, mas com aquela firmeza que sempre usava quando queria desafiar sem parecer agressiva. Havia algo ali, no jeito como ele perguntava, que a deixava confusa e levemente irritada. Como se esperasse que ela desistisse. — Se você quiser, podemos escolher outra coisa. Mas vai estar perdendo essas mãozinhas fantásticas em ação. — Mostrou as mãos, o sorriso, dessa vez num tom mais divertido, enquanto pensava no que poderiam fazer ali. Cuidar da pele, do corpo, relaxar... algo mais. Qualquer ideia era atrativa quando se tratava dele, e ela desejava que ele se sentisse tão confortável quanto ela se esforçava para estar.
Caminhou até a bancada de produtos, passou os dedos pelos potes de vidro, pelas texturas. Uma piadinha sensual chegou a ponta de sua língua, mas ela guardou para si. Em outro momento teria oportunidade. Suspirou, pensativa. Por ela, ficaria horas na companhia dele naquela sala. Tocando seu corpo, sentindo seu calor, conversando como fizeram naquela noite em que tudo mudou, e torcendo para que, dessa vez, as coisas fossem diferentes. Virou-se para ele com um óleo em mãos, mostrando-o como se filmasse uma publi para seu instagram. — Esse aqui parece ótimo. O cheiro é bom, tem propriedades calmantes. — Voltou a caminhar na direção dele, enquanto falava. — Você parece tenso... — Sondou, sem muitos rodeios. — Quer falar sobre isso, ou só esquecer o assunto com uma boa massagem? — Perto o suficiente, ela encarava o seu rosto, buscando seus olhos e tentando entender o que havia mudado desde o jantar. O encontro no Il Giardino começou um pouco conturbado, mas passaram o restante da noite conversando e rindo, como se não tivessem ficado sete anos sem falar um com o outro. A possibilidade desse tempo afastados depois do delicioso jantar ter feito Matteo repensar e não desejar mais se aproximar dela causou um bolor na garganta, um embrulho no estômago que estava se tornando difícil de ignorar ou disfarçar.
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Ele estava estranhamente presente no evento. Fiera dei Sensi. Era um evento estranho, um que normalmente não veria ele tão participativo. Talvez ele fosse convencido por Olivia a fazer uma aparição, em circunstâncias diferentes, mas desde seu encontro com o espelho, os rituais... Matteo não sabia mais no que acreditar. E acabava voltando ali, como se a casa de Rose pudesse lhe dar alguma resposta. Uma voz prática, curta, quase pragmática demais soou do seu lado. Quase uma ordem disfarçada de convite. Teria balbucidado se tivesse a capacidade de falar qualquer coisa.
Não podia deixar de notar como ela havia ficado mais bonita. Mesmo na adolescência, Aslihan já atraia olhares — ao menos o seu olhar. Era um garoto magrelo e estranho com a única garota que era legal com ele, obviamente ele não era exatamente imune. E ela era bonita. Nada daquilo exatamente ajudava nas sessãos de estudo que tinha com ela. Os cabelos escuros estavam repuxados para trás num familiar rabo de cavalo, e ele se lembrava de como ela também puxava os cabelos para fora do rosto enquanto estava pensando. Quando era adolescente, ele era bem familiar com o perfil da mulher, espiando entre um exercício ou outro que não conseguia entender. Agora, não fazia questão de esconder que estava olhando diretamente para ela, afinal ela estava falando com ele, apesar de que ela parecia preferir fazer qualquer coisa do que estar ao seu lado.
"Mmm," murmurou, com confusão quando sua fala retornou, antes de responder, "claro." Apesar da distância entre eles, tanto física, quanto emocional, existia uma familiaridade estranhamente reconfortante que Matteo não queria abrir mão. Não era exatamente como se soubesse o motivo deles terem se afastado. Ele tentou se manter amigável, apesar que Matteo e amicabilidade não eram exatamente sinônimos, mas sem esforço suficiente de ambas as partes, acabaram caindo no esquecimento. Não havia sentimento ruim da sua parte. Era apenas como se tivessem descobrido o quão diferente eles eram. Aslihan era muito boa para ele. Ele constantemente se sentia um completo desajustado ao redor dela. Era como se ela refletisse todas as coisas em que ele falhava miseravelmente. Ao mesmo tempo, ela não o fazia se sentir mal consigo mesmo. Não, Matteo fazia tudo aquilo dentro da sua própria mente, enquanto Asli não era nada além de agradável. Isso era, ao menos no passado. Ali, naquele momento, Aslihan não demonstrava nada além de imparcialidade, apesar que ele sentia como se tivesse voltado aos quatorze anos — estúpido demais para produzir qualquer pensamento coerente junto dela.
Andaram em silêncio para a frente da fila. Observava-a pelo canto do olho, como anteriormente o fazia, sempre que achava que ela não notava. A proximidade que criaram durante os anos era... Excêntrica. Por um lado, o que os aproximou havia sido a ajuda que ela lhe dava nas matérias, como uma professora diligente, porém era muito mais atenciosa com a sua dificuldade de compreensão do que seus próprios professores. Por outro lado, Matteo podia ficar escutando-a falar por horas, sobre qualquer outro assunto, assistindo envolto desde jovem o cometa que ela era. No auge dos seus quatorze anos, entretanto, ele não tinha desenvoltura o suficiente para sequer entender a atração, ou fazer algo sobre isso e, quando eles se afastara, ele definitivamente não tinha maturidade emocional suficiente para ir atrás e entender o que aconteceu. Ele deixou-a ir, sem brigas e sem esforços. Com o passar dos anos, pensou menos e menos no que poderia ter feito errado, aceitando o acontecimento apenas como fatos da vida. Agora, anos depois, talvez ele devesse ter se arrependido, tentado entender melhor o que houve, ou simplesmente não tê-la deixado ir com facilidade. Mas não podia fazer nada sobre.
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Ela lembrava. Lembrava dele pequeno, franzino, com o olhar perdido sobre o caderno de matemática e os dedos tamborilando a mesa como se pudessem evocar a resposta certa. Aslihan tinha doze anos quando começou a ajudar Matteo com os deveres — uma tarefa voluntária que aceitou mais por teimosia do que por vocação. Mas havia algo nele que a fazia permanecer: uma doçura tímida, uma necessidade de aprovação, um desejo sutil de ser visto que ecoava fundo nela. Naquela época, ele olhava para ela como se ela fosse feita de ouro e palavras sábias, como se não fosse possível errar na presença dela. Ela não sabia do crush. Matteo era muito sutil ou ela muito desatenta. Mas era um afeto silencioso, inofensivo, quase puro demais pra incomodá-la. Aos quinze, ele parou de pedir ajuda. Passou a malhar, arranjou novos amigos, descobriu uma autoconfiança que não incluía mais lições de casa nem tardes com ela. Aslihan não se surpreendeu. Só confirmou, mais uma vez, que as pessoas gostavam dela enquanto precisavam dela. Depois? Sumiam. Matteo foi só mais um. Era essa a visão que ela tinha da relação dos dois. Agora, vê-lo em Khadel, ambos adultos, ela não sabia mais se tinha alguma mágoa. Talvez fosse só... indiferença. Uma camada fria que cobria um incômodo antigo e que ela preferia não cutucar.
Aslihan tinha ido à Fiera dei Sensi no impulso de fazer algo novo. Nos últimos tempos, vinha tentando sair do próprio casulo, mas optando por continuar sozinha. Caminhava entre as instalações tecnológicas, as salas que misturavam aromas e sons, os sorrisos dos casais, a animação dos jovens que aproveitavam o momento para flertar, as crianças que se divertiam com as novidades, e tudo parecia mais colorido — menos para ela. E foi aí que viu a sala do Óculos Kinect. Uma das experiências mais faladas do evento. Uma imersão sensorial, uma viagem completa. Ela não resistiria. Mas a fila... estava impossível. E claro, como tudo em Khadel agora, os reencarnados tinham prioridade quando estavam em duplas. O incentivo ao amor pairava sobre a cidade como uma névoa adocicada, sufocante, mas que poderia ser muito útil agora. Ela olhou em volta. Procurou um rosto conhecido entre os nove. Qualquer um. Mas só viu ele. Matteo. "Não", pensou, cruzando os braços. "Qualquer um, menos ele." Virou o rosto, seguiu andando devagar, tentando encontrar outro par. Ninguém. Ninguém ali que pudesse ajudá-la a furar a fila e garantir a experiência. A irritação queimou devagar dentro dela. Até que respirou fundo.
Ela podia simplesmente pedir. Ser direta. Objetiva. Não ia morrer por isso. Além do mais, se eles fossem almas gêmeas? Não que ela estivesse disposta, mas parecia uma boa desculpa para se aproximar. Só estou fazendo isso por conta da maldição. Caminhou até ele, passos firmes, olhar decidido, ainda que por dentro cada parte de si gritasse que era uma péssima ideia. Parou ao lado dele, braços cruzados, e falou com a voz mais prática que conseguiu reunir: — A fila do Óculos Kinect tá enorme. Reencarnados têm prioridade quando estamos em pares. Você vem comigo? — Nenhum "oi", nenhum rodeio, nenhum sorriso. Só um convite seco, direto e impessoal. A forma mais segura que encontrou de se proteger da lembrança de um menino que, um dia, a olhava como se ela fosse feita de luz. Ela não era. Nunca foi. E não estava ali pra reviver ilusões. Estava ali pra ver baleias flutuando, sentir o vento no rosto numa montanha-russa digital, fugir de zumbis ou dançar num show que nunca viu. E, se pra isso precisasse dele, que fosse.
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com @oliviafb no autocuidado e terapias táteis da The Body Shop
Desde os acontecimentos da festa de Helena, Matteo estava confuso. Não era que havia se arrependido da sua decisão de se soltar no evento e deixar que a festa tomasse o rumo que tivesse que tomar. Mas estava confuso com algumas das pessoas com as quais havia se soltado — principalmente com o pior deles. Aleksander. O homem havia ido até a academia para provocá-lo, carregando parte da sua fantasia. Matteo nunca realmente falou que ele era hétero ou bisexual, apesar da constante especulação da cidade. Parte deles, acreditavam fielmente que ele era gay. Na verdade, apesar de já ter navegado por entre alguns vídeos de homens, os beijos dados em homens no evento havia sido sua primeira e segunda experiência com o mesmo sexo, e o que tornava mais enfuriante era o fato dele ter gostado, agora sabedo quem ele havia beijado.
Não sabia como lidar com nada daquilo — nunca foi muito bom em comunicar o que sentia — mas ele sabia que precisava falar aquilo para Liv antes que a história chegasse em seus ouvidos, ainda seria pior se chegasse para ela por Aleksander. Aquela loucura de famílias ricas que forçavam seus filhos a se casarem era demais para ele, mas a história de Olivia e Aleksander tinha esse aspecto estranho o qual ele não dividia com ela. Talvez fosse exatamente o que ela precisasse.
Matteo havia decidido que seria melhor contar a versão mais leve dos acontecidos. Nada sobre como ele havia se sentido, nada sobre como foi. Eles se beijaram, apenas isso. Duvidava que Aleksander iria querer entrar em detalhes sobre o acontecido também. Porém, ele não havia preparado Liv, nem dito que precisavam conversar, ele não queria criar aquela expectativa. Ele só esperava que teriam um momento para falar sobre aquilo.
Se encontraram na feira como haviam combinado na noite anterior depois de um tempo sem conseguirem se ver. Talvez estavam indo mais devagar do que ele imaginava quando sugeriu que fossem com calma, mas entre sua rotina já ocupada e aquela confusão de pensamentos que ele não estava conseguindo processar, a maior parte do seu tempo livro, Matteo passava com o nariz enfiado no seu diário. "Você tem certeza que é isso que você quer fazer?" Matteo perguntou para Liv, esperando que talvez ela mudasse de ideia de alguma forma, apesar do massoterapeuta ter acabado no com a sua explicação e deixado eles na sala sozinhos. Ele era um homem vaidoso em geral, apesar que estava sempre buscando um ideal de beleza que parecia inalcançavel. Magro demais. Branco demais. Não se deixe bronzear demais. Faça as sobrancelhas. Mas não finas demais. Tenha pêlos para ser viril. Mas não pelos demais. Matteo não sabia se autocuidado era exatamente o que ele precisava.
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com @sorrentinosmuse no banho de ervas aromáticas
Matteo se sentia atraído pelo evento de alguma forma. Talvez fosse relacionado a maldição que, agora, ele hesitantemente acreditava. Principalmente depois que ele foi até a cigana e agora ele não conseguiu mais se sentir confortável na sua pele ou olhar o seu reflexo no espelho. Talvez por acontecer na casa de Rose Von Bleicken, que ele se via voltando dia após dia. Talvez fosse porque ele não quisesse ficar dentro da própria casa, onde os espelhos estavam cuidadosamente cobertos. Ir na academia era uma pequena sessão de tortura, onde ele assistia o seu eu de quatorze anos levantando cento e quarenta kilos. Naquele evento, ele podia evitar tudo isso e cada dia parecia carregar uma nova surpresa para ele. Naquele dia, ele estava olhando os produtos à venda no L'Erbario di Gilda. Isso é — até Nonna Gilda aparecer com um som ultrasônico, "i miei amanti," ela disse, abrindo um braço para ele e outra para alguém atrás dele. Matteo olhou por cima do seu ombro, vendo a figura de Helena. Ele queria resmungar, audivelmente, mesmo que ele tenha até partido em bons termos com Helena. Ele não estava com disposição para a personalidade gigante dela. Mas parecia que eles estavam sendo arrastados já para dentro de algo que parecia uma tenda improvisada, com cheiros fortes. "A gente só tem que ser forte e aguentar um pouco," ele finalmente murmurou em direção a Helena.
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Matteo não desviou o olhar dessa vez. Observou Helena com uma atenção silenciosa, quase desconfortável, como quem não sabe o que fazer quando alguém escolhe ver além da fachada. Havia algo na forma como ela falava — tão contida, mas ainda assim vulnerável — que o fazia se encolher por dentro. "Não é pessoal, tá? Eu só… não confio fácil. Nunca confiei. E cada vez que tentei, só me fodi mais um pouco. Então, se eu pareço fechado ou defensivo, é porque sou." Se recostou levemente, cruzando os braços, um gesto que parecia distante mas era só proteção. Era o máximo de abertura que conseguia oferecer naquele momento — e, vindo de Matteo, já era muito. "Só… me dá tempo." E com isso, ele deixou a frase morrer ali, sem pressa, mas sem necessidade de prolongar. Helena tinha falado. Ele também. E por agora… era o suficiente.
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FLASHBACK ANTES DO BAILE
Helena manteve o olhar em Matteo sentindo-se estranha. Aquilo ali, aquela conversa esquisita, o muro dele tão bem levantado, tudo aquilo cutucava algo nela que normalmente preferia ignorar. Ela apoiou os cotovelos na mesa, os dedos entrelaçados como se estivesse se preparando para responder a uma coletiva de imprensa. Por fora, impecável. Por dentro, uma bagunça só. "Matteo…" o nome saiu mais baixo do que ela pretendia, quase com doçura, e por um momento ela não o confrontou, apenas respirou fundo afinal não queria discutir.. Ela só... queria ser compreendida. E talvez, no fundo, compreendê-lo também. "Eu não estou tentando demais porque quero te conquistar ou convencer você de alguma coisa. Eu só... Pensei: talvez essa maldição tenha sentido. Talvez ele seja alguém que vale a pena conhecer além do que os outros enxergam." Ela desviou os olhos por um segundo, encarando o próprio reflexo na colher ao lado da xícara. No movimento a volta deles. Até no movimento das garçonetes. "Você se sentiu encurralado. Eu entendo. Juro. Não vou te forçar a nada, Matteo. Nem amizade, nem confiança, nem conversa." Ela voltou a encara-lo, um tanto mais suaves por estarem realmente se falando e botando na mesa o que pensavam. "A gente não amou ninguém de verdade ainda. E talvez nunca ame. Mas eu vi acontecer, eu vi de perto o brilho nascer nos olhos de alguém... Por isso achei que a gente precisa parar fugir, tentar se conhecer..." Helena girou o anel no dedo, de novo. O gesto automático de alguém que sempre fingia ter tudo sob controle, ancorando-se na terra e não deixando a mente ir para onde não desejava. "Se eu te fiz sentir invadido... me desculpa. Não foi minha intenção, serio. Às vezes eu esqueço que as vezes posso ser um pouco demais..." ela deu um sorriso de canto. Tentando deixar as suas próprias muralhas caírem, afinal era cansativo demais tentar ser A Helena Sorrentino... " Eu só queria conversar, mas vou me controlar."
Matteo manteve o sorriso no rosto, mas o peso das palavras de Alek cravou mais fundo do que ele queria admitir. As mãos se contraíram, inquietas, como se o corpo controlasse a vontade de bater em Aleks. Por fora, parecia apenas entediado; por dentro, era um campo minado. Cada provocação de Aleksander parecia saber exatamente onde acertar, onde a fachada começava a trincar. O comentário sobre as “lembrancinhas” lhe arrancou um riso breve, áspero, mas as unhas começavam a se fincar nas palmas, continuando a força descomunal que precisava para não acabar socando Aleksander. Ele só queria tirar uma reação sua, Matteo pensou, deixando aquele mantra ecoar em sua mente. Socar Aleksander só iria piorar as coisas. Matteo era bom em fingir — sempre foi —, mas era péssimo em lidar com aquilo que realmente queria ignorar. A raiva, a vergonha, o medo enraizado de ser mais transparente do que gostaria.
Sabia que Aleksander estava mentindo. Os boatos sobre ele não eram nada como os boatos sobre Aleksander — acreditavam que ele não tinha interesse em mulher — mas nunca que ele estava pegando todos por aí. Inclusive, era o contrário. Porém, Aleksander era tão cheio de si que não ia adiantar discutir. O melhor que ele podia fazer era ficar quieto. Não iria vencer Aleksander naquele jogo. Quando Alek girou nos calcanhares, Matteo acompanhou o movimento com os olhos, o maxilar travado, o peito subindo e descendo de forma irregular. A voz baixa e cortante reverberou como um estalo dentro dele, arrancando lembranças que Matteo preferia manter enterradas — memórias de uma noite que ainda não sabia como rotular sem se sentir ridículo.
Ele cruzou os braços, uma tentativa falha de se proteger, de manter distância, mas o olhar que lançou para Alek era ácido, impulsivo. Matteo odiava aquilo — odiava o quanto ainda se sentia exposto, mesmo sem dizer uma única palavra. O golpe seco contra o saco de pancadas o fez piscar, como se o som quebrasse o transe momentâneo. Matteo endireitou a postura, desenhando de volta o esboço de arrogância que usava como armadura. Só que dessa vez, a linha de tensão em sua mandíbula era impossível de ignorar. A echarpe. O segredo. “Mas só um diz nós saiu do seu caminho para provocar uma pessoa que supostamente você detesta não é mesmo?” Matteo finalmente rebateu, ríspido — Matteo podia não entender muito bem o que aconteceu naquela festa, mas ao menos ele não saiu do seu caminho para provocar alguém que ele não gosta, carregando o tecido da pessoa por aí. Ele não esperou uma resposta de Aleksander, indo embora.
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Alek soltou um riso seco diante da provocação. A maneira como Matteo batia palmas e o chamava de palhaço só confirmava o que ele já sabia — Matteo estava, no mínimo, irritado. E isso, para Alek, já era uma vitória por si só. "Palhaço, é?" Murmurou com um sorriso enviesado. "Bom.. Melhor ser palhaço do que um boneco de vitrine, não acha? Bonito por fora, oco por dentro e sempre tentando esconder a rachadura na base."
Quando Matteo comentou sobre a echarpe, Alek riu mais abertamente, como quem se diverte com a própria audácia. "Não precisa se incomodar com a cueca, Bianchi. Já ouvi boatos suficientes pra apostar que você anda distribuindo lembrancinhas por aí com muito mais frequência do que gosta de admitir." A fala veio com um ar quase casual, mas o olhar ainda era afiado. "A diferença é que a maioria das pessoas guarda essas histórias em segredo. Eu prefiro guardar em seda."
Ele deu as costas por um segundo, como se fosse encerrar a conversa, mas girou sob os calcanhares com a mesma elegância arrogante de sempre. Os olhos semicerrados, a voz mais baixa agora, afiada e cheia de veneno controlado. "E sabe, Matteo.. Você devia tomar cuidado com o que finge não sentir. Esses impulsos que você enterra com tanto afinco? Eles tem o péssimo hábito de florescer no escuro. Às vezes no meio da noite. Às vezes no meio da próxima dança." Voltou a pegar o saco de pancadas com as mãos enfaixadas, mas lançou um último olhar por cima do ombro, o sorriso torto e irônico de sempre, agora levemente mais sombrio. "E quanto ao que eu tô tentando provar? Absolutamente nada. É você quem ainda tá tentando entender o que fez naquela noite." Ele socou o saco com força, o som seco ecoando pela academia. "Mas relaxa, campeão. O segredo tá guardado. E a echarpe também."
Matteo sustentou o olhar dela por um instante longo demais, os olhos escuros parecendo pesar cada palavra dita. A sinceridade de Scarlet não o surpreendia — ele sempre soube que, para ela, ele era pouco mais que uma lembrança apagada. Mesmo assim, alguma parte dele, pequena e teimosa, se encolheu diante da confirmação crua. Ele passou a língua pelos lábios, num gesto distraído, e soltou um suspiro baixo, quase um riso sem força. A mão subiu até a nuca, bagunçando os cabelos antes alinhados para o sermão. Matteo olhou para o chão, para as rachaduras no cimento, como se ali encontrasse a única resposta verdadeira.
Quando falou, a voz saiu rouca, arranhada pelas coisas que não dizia. "Não muda nada, Scarlet," deu de ombros, mas o movimento era mais pesado do que queria deixar transparecer. "Só achei… que talvez fosse menos insuportável. Pra todo mundo," ergueu o olhar de novo, a expressão cansada, mas havia uma ponta de desafio ali, algo quebrado e orgulhoso demais para se render completamente. Ele estava cansado de todos eles agindo uns contras os outros — não era como se ele quisesse estar naquela situação.
"E não, não tô esperançoso. Nem burro a esse ponto." A boca puxou um sorriso torto, sem humor. Ao contrário do que todos achavam, Matteo não era esse nível de burro — não confiava cegamente naquele grupo. Ele precisava fazer o que podia se quisesse chegar na verdade. "Bem, talvez seja melhor parar de tentar achar lógica nas coisas." Matteo enfiou as mãos nos bolsos da calça, balançando o corpo levemente para trás como se se preparasse para se afastar. Mas ficou parado ali, preso numa linha invisível que ele mesmo não conseguia atravessar.
Matteo sempre foi um rapaz bom, educado, e em algum momento da infância ou adolescência dos dois, não conseguia se lembrar exatamente, a amizade se perdeu. E isso ainda remetia uma sensação estranha para Scarlet, a qual demonstrava isso com o silêncio e a ausência de resposta. E ele tinha razão em uma coisa: estavam realmente no mesmo buraco, todos eles. Matteo não seria o ideal para si caso fosse sua alma gêmea, muito contrário a isso, era uma de suas últimas opções caso acontecesse. - Mais legal? Certo... E isso mudaria algo? Já estamos no fundo do poço. - O questionou com certa sinceridade, e a resposta continuava a mesma em seu subconsciente: não. Mesmo depois que tudo isso acabasse e que cada um descobrisse sua alma gêmea, não via um fim de fato para aquela maldição, ao menos não nessa reencarnação. - Está tão esperançoso assim de que tudo vá dar certo quando isso terminar? Porque sinceramente, não vejo como pessoas como nós todos envolvidos possam ser "alma gêmeas" um do outro.
Matteo não respondeu de imediato. O olhar dele percorreu o rosto dela, demorando meio segundo a mais nos olhos — como se estivesse tentando decifrar o que ela realmente queria dizer por trás do deboche. "Eu não julgo." A voz saiu baixa, quase rouca, e seus ombros rolaram quase automaticamente. Seu olhar deslizou para a maquiagem discreta, nada característica de Scarlett, depois voltou para os olhos dela. "Quando eu disse que sou santo?" Perguntou com curiosidade. Scarlet, Aleksander — eles não pareciam entender a diferença entre ser calado e ser santo. Matteo enfiou as mãos nos bolsos do casaco, os ombros levemente tensos, e desviou o olhar por um instante. Parecia que ia embora. Mas não foi. "Você devia ser mais legal — afinal, a gente está no mesmo buraco." Existia uma chance da Scarlett ser sua alma gêmea? Sim. Ele iria sequer entreter aquela possibilidade? Absolutamente não. Mas era assim que ele se sentia com a maior parte do grupo.
Scarlet odiava ir à igreja, mas ao menos uma vez por mês dava o ar da graça apenas para manter as aparências, principalmente pela relevância de sua família e para manter a imagem de "boa moça", que convenhamos, boa parte das pessoas daquela cidade sabia que não era bem assim. Conseguia atuar perfeitamente, se mostrando atenta ao sermão e até mesmo fazendo as rezas que sabia de cor. A maquiagem que geralmente era pesada e com um batom vermelho chamativo, hoje era algo tão leve que era quase imperceptível. Quando acabou, cumprimentou as pessoas que estavam ao seu lado com um belo sorriso, mesmo que fosse falso, ninguém sequer notaria isso mesmo... Ou foi o que pensou quando Matteo se aproximou. - Como pode ver, estou intacta. Mas você não é bem um santo também para me julgar, não é mesmo? - O respondeu em um leve tom de deboche, e no mesmo tom de informalidade que, não sabia em qual momento ao certo, adquiriram essa "intimidade" para tal.
Matteo não respondeu de imediato. Só observou. O vinho girava devagar entre seus dedos, mas ele nem olhava mais pra taça. Os olhos estavam nela. Sempre nela. Cada palavra que Olivia dizia parecia ficar suspensa no ar por tempo demais. Como se ele estivesse tentando absorver tudo sem deixar escapar nada. Quando ela enfim parou de falar, o silêncio ficou entre eles por alguns segundos. Matteo pousou a taça com cuidado sobre a mesa, o som leve do vidro sendo a única interrupção. Respirou fundo antes de dizer, "não sei, Liv." O olhar dele estava fixo no dela. Era raro vê-lo assim — tão direto, tão cru. Mas ainda assim... contido. Ele não era do tipo que se deixava levar. Nem pelas emoções, nem pelas memórias.
Ele desviou o olhar, só por um instante, observando o tecido branco sob seus dedos. Passou a mão ali, devagar, como se precisasse se ancorar em algo concreto antes de continuar. Ele não podia simplesmente pular em um relacionamento. Não era assim como às coisas funcionavam. Parecia apenas um estalar de dedos para Olivia, a as coisas eram como antes. "As coisas não voltam simplesmente a ser como era antes, Liv." Não apenas porque ela queria. Voltou a encará-la, agora com o maxilar levemente travado. "A gente queimou tudo de uma vez. E o que sobra depois disso? Cinza." Se recostou na cadeira, cruzando os braços num gesto quase involuntário — meio defesa, meio hábito. "Eu não sei se o que a gente sentiu foi amor. Ou só o reflexo do que a gente queria desesperadamente acreditar que podia sentir." A expressão dele suavizou por um segundo. "Mas... eu sei que doeu. E que ficou." O pior era o sentimento de abandono final que ele mesmo contribuiu.
Olhou pra ela de um jeito mais demorado agora. Não como quem avalia ou julga, mas como quem tenta sentir o que vem de dentro, mesmo quando não se quer sentir. "Eu não quero repetir o mesmo erro. Nem com você, nem comigo." A mão dele voltou à mesa, agora parada, como se pesasse mais. Ele hesitou um pouco, e então disse, mais baixo: "Então… se for pra tentar, tem que ser diferente. Do começo mesmo." O tom dele era mais suave agora, mas ainda assim firme. Como se essa fosse a única forma que ele conhecia de cuidar de algo: com cautela. Um meio sorriso apareceu nos lábios dele — pequeno, quase imperceptível. "Talvez a gente não seja mais os mesmos, Liv... mas talvez seja exatamente por isso que agora tem chance." Então ele estendeu a mão pra ela. O gesto era simples, sem grandes gestos dramáticos. Só um convite silencioso.
“Claro que significou, Olivia.” Ela assentiu levemente, com o olhar fixo em Matteo, mas apesar da resposta ter aliviado o seu coração, ela não bastou. Não quando ele desviava os olhos, não quando o corpo dele parecia querer se proteger de algo que nem ela conseguia nomear. Mas significou. Isso era um fato. Ela engoliu seco. Não sabia se doía mais ouvir que foi especial do que se ele tivesse negado. Porque, se foi, então por que ele deixou aquilo morrer? Por que permitiu que o asco tomasse conta ao ponto de deixá-la sozinha na pior versão de si mesma? Era um pensamento egoísta, considerando que havia feito o mesmo, mas não conseguia deixar de culpar a si mesma e a ele também. Ela o observou girar o vinho como se buscasse ali as palavras certas, ou coragem. Talvez os dois. Olivia piscou lentamente. Era raro que alguém a chamasse de Liv. Era íntimo demais, cru demais. Ela se manteve imóvel, mas sentiu o estômago revirar com o apelido. Nostalgia ou saudade, não saberia dizer.
Ela sentiu a vontade súbita de rir, um riso que não era de graça, nem zombaria, mas puro desespero. Inevitável. Como se não tivesse doído. Como se fosse só mais um tropeço do destino, e não o começo do fim da mulher que ela costumava ser antes de virar a musa de Khadel. E foi quando o ouviu dizer sobre seguirem em frente, como se aquela conversa, para ele, significasse apenas pôr em pratos limpos e colocar um ponto final definitivo. Ah. A velha saída prática de Matteo. Simples. Racional. Quase fria. Olivia suspirou e enfim soltou a mão dele, deixando-a cair sobre o próprio colo. Não era um gesto de raiva, mas de cansaço. Seus olhos se perderam por um segundo na mesa perfeitamente arrumada, antes de voltarem a encará-lo com uma doçura nada típica dela. — E se a gente tentasse de novo? — A pergunta saiu baixa, mas clara, sem rodeios. Nada de joguinhos, nada de entrelinhas. Só a verdade, crua. — Eu sei que não somos mais os mesmos. E que existe isso... essa maldição, essa... coisa que nos prende, que sufoca antes mesmo de acontecer. Mas e se a gente tentasse? As coisas parecem diferentes agora, com a Zafira ajudando, e as pessoas na cidade se apaixonando. Talvez seja o nosso momento. — A pessoa certa no tempo errado, ela começava a acreditar que haviam sido isso. Apenas eram imaturos, e a maldição forte demais. Talvez, agora, a chance de serem felizes num relacionamento de verdade fosse possível. Ela inclinou o corpo para frente, os olhos atentos, mas sem súplica. Era um convite, não um pedido. — Só... uma chance. Pra ver se aquela chama ainda existe. Porque naquela noite, Matteo, eu juro, ela brilhou. Forte. E eu acho que você sentiu também. Ou não teria sentido o asco bem no dia seguinte, como eu também senti. — Afirmou, ainda que ele não tivesse dito com todas as letras que isso havia acontecido. Pausou, mordendo o canto do lábio. — Não tô dizendo que vai ser fácil. Talvez o asco venha de novo. Talvez a gente falhe. Mas pelo menos a gente tentou. E se isso ajudar com a maldição? E se for isso que nos salva? — Havia esperança ali, sim. Mas também havia medo. Porque, no fundo, Olivia sabia que amar era a coisa mais perigosa que poderia fazer. E mesmo assim, estava disposta a correr o risco.
Ele deu uma risada sem graça com a pequena impressão dela e um haltere. Pasqualina na academia havia sido provavelmente só uma miragem que um dia ele havia visto. Ele prometeu ajudá-la, mas ela nunca aparecia — sempre muito ocupada com o grupo das jasmines, margaridas, ou sabe-se o quê? Eles eram tão diferentes. "Scarlet?" Ele repetiu, com o levantar de sobrancelha, e observando o corpo dela se fechar ao falar da outra. Matteo não era do tipo que gostava de se meter no assunto dos outros, mas o jeito que Lina agia ao nome da outra lhe parecia... estranho. Normalmente, Scarlett não era uma pessoa muito... agradável, mas o que ele via não era desprezo. Era um certo tipo de agitação diferente. "Parece ter sido agradável, Lina. Bem, a gente certamente vai se ver por ai."
ENCERRADO ( @khdpontos )
Movimentou a cabeça no mesmo ritmo em que as palavras saíam dos lábios de Matteo, os olhos levemente arregalados devido ao teor da frase, mas logo a expressão se desmanchou nos lábios curvados, segurando uma risada. Achou engraçado a forma como ele tinha escolhido uma palavra não ofensiva, somente por ser ela a sua interlocutora, talvez imaginasse que Lina se dissolveria em um monte de açúcar ao escutar um palavrão. "Acho que no hospital você teria ainda mais tempo livre, não? Ia ficar completamente sem treinar e tudo..." Ao mencionar o treino, simulou um movimento de musculação, como se flexionasse um halter.
"Um duelo? Com facas? Meu Deus..." Ficou imaginando a cena em sua mente e ficou alguns segundos em silêncio, a cabeça levemente inclinada enquanto imaginava Matteo duelando como um espadachim. "Fico feliz que não tenha sido nada grave e, ah, eu fui com...com a Scarlet." A mudança de expressão foi evidente, ao mencionar a ruiva as sobrancelhas se curvaram e os braços se cruzaram. "Nós tivemos que tomar um chá e jantar com a senhora Castellani, ela tinha o pingente da Julieta e...Bom, foi bem agradável conhecer a senhorinha, ela não nos chamou para um duelo nem nada disso." Apesar das palavras doces, sua expressão era contraditória, ficava séria e defensiva toda vez que recordava do beijo que trocara com a menina malvada de Khadel.
antes do evento﹔pós group chat
jardins da rose com @neslihvns
No fundo, Matteo sabia que era maluquice. Era difícil de acreditar em coisas como maldição, ou almas gêmeas, ou como aquela história se entrelaçava com eles de qualquer forma. E, dentre eles, claro que Neslihan seria a mais cética. Ela sempre foi muito lógica e tinha a mania irritante de estar sempre certa (normalmente estava), e ele duvidava que ela acreditaria em algo maior que ela em qualquer momento. Porém, o que ele não imaginava era ela utilizando dos mesmos argumentos que todo mundo jogava na cara dele — não ela. Ele não era a pessoa mais esperta do mundo, mas sabia muito bem quando zombavam dele. Era isso o que mais o incomodava. O fato dela ter jogado na conversa, tão casualmente, em frente a todo mundo.
Ele havia ido para um dos muitos lugares na cidade em homenagem à Rose. Ironicamente, era um lugar que ele ia muito com Neslihan quando mais jovens, e agora apesar do sentimento conflitante em relação à antiga amiga, ele ainda gostava de ir la para espairecer. Achou que estava sozinho no lugar, mas um farfalhar das folhas indicava que alguém estava saindo ou chegando (ou talvez se escondendo como ele adoraria fazer).
Matteo achou estranho que a única coisa que havia perguntado a ela havia sido ignorada. Não era como se fossem amigos. Ela havia escolhido a popularidade, aos olhos dele, e nunca se atreveria a andar com o menino esquisito, o filho da empregada. Aquela missão, aquela história mirabolante, era a única coisa que os conectavam agora. Mas não podia simplesmente virar as costas e ignorá-la. Ao menos, a empregada havia lhe dado um pouco de educação que não parecia existir com os super ricos daquela cidade. "Eu ajudo o treino de algumas pessoas como personal, às vezes," ele disse, "mas hoje eu estava só no meu," quando ele foi interrompido. "Ah, sim. De vez em quando ─ meu treino é diversificado. Mas pediram para eu substituir o seu professor que não pode vir. Vamos?"
Para Graziella, toda aquela coisa de dar um passo para o mesmo lado e continuar atrapalhando o caminho do outro era coisa de filme, simplesmente porque apenas passaria direto, sem se importar com quem estivesse a sua frente, provavelmente sendo um dos motivos de lhe acharem tão fria. No entanto, era um pouco difícil fazer isso com Matteo, quando ele era maior que si em vários sentidos. A pergunta também não ajudava muito e tudo o que a mulher fez foi suspirar e fingir que não tinha escutado, mas erguendo a cabeça para fitá-lo. "Você trabalha por aqui ou só malha? Eu tenho aula de muay thai, mas nunca fiz, estava apenas querendo dar uns socos. Você faz?"
Ele levantou uma sobrancelha, sem respondê-la. A forma como Helena falava com ele não parecia deixar aberto a muitas interpretações. Ou, talvez, ele não estivesse tão disposto a isso. A crença dos dois eram tão destoantes que apenas acrescentavam a pilha de ínumeras diferenças entre eles. Como água e óleo. Se o ensaio que haviam feito juntos havia feito parecer que eles eram do mesmo mundo, Matteo achava que tinha a confirmação que não poderia estar mais enganado. E não por causa do status de celebridade ou nada desse tipo, eles apenas essencialmente viam as coisas de formas diferentes. "Não," respondeu resoluto, "assim como você, assim que o sentimento ruim apareceu, eu também fui embora." O gosto amargo da forma como as coisas haviam sido com Olivia voltava a tona no assunto, e talvez tivesse partilhado mais do que devesse ou gostaria. "Porque é assim que eu escuto o que você disse, Helena." Era quase acusatório. Como ela podia falar que o amor não existia se, ao primeiro sinal, fugia? E se o amor não fosse só uma série de obstáculos a serem superados? Filmes, séries e livros fantasiosos não pareciam a melhor fonte para acreditar no que era o amor, já que até eles podiam criar aquelas artes, sem ter sentido nada do que mimetizavam. "Você diz que não quer sentir esse tipo de sentimentos, mas o amor não é só flores, não é?" Levantou a sobrancelha, indagando ela com um pouco de desafio. "Mas você não quis ficar para descobrir," deu de ombros. Não iria brigar por uma crença. "O que exatamente minha rede social mostra que eu amo, Helena? Eu mesmo?" Soltou com uma risada baixa, algo que era raramente acontecia. Ele achava difícil ver algo além dele mesmo na sua rede e o que endossava, o que fazia parecer um grande narcissista. "Mas, para te responder, eu amo ter a capacidade de fazer o que eu gosto, todos os dias. E, se isso é o que minha rede social mostra, que seja." Não se importava se sua resposta o fazia parecer ainda mais superficial. Aquela conversa havia provado que ele ainda não estava pronto para ser vulnerável com alguém que era mais distante dele.
Era engraçado como Helena conseguia ver a vida como poço de cor e esperança, enquanto a própria vida poderia ser descrita como sem cor ou tempero. O amor pelas pessoas sempre era enevoado pelo asco e pela raiva, enquanto o desejo por bens e fama só cresciam. Talvez fosse aquilo que a fizera crescer tanto, não tinha nada para deixar para trás, não havia amor ou laços fortes o suficiente para a prender em qualquer canto. "Não me diga que nunca sentiu isso? Um sentimento indevido que aparece do nada, quase como se a sua história com a pessoa fosse apagada..." tentou explicar, mas era profundo demais. Helena se apaixonou algumas vezes na vida e ainda assim não conseguia entender como aquela repulsa aparecia tão rápido, ignorando o carinho e o companheirismo que antes existia, quase que a impedia de olhar para a pessoa novamente.
A mulher preferiu se calar novamente, sorvendo as ultimas gotas de bebida em seu copo de uma vez antes de pedir mais um. Aquilo estava ficando pessoal demais para o seu gosto... Seu olhar desviou para a multidão novamente engolindo seco antes de voltar para ele "Tão arduamente que já me feri o suficiente para saber que não quero sentir esses tipos de sentimentos por quem me importo" havia magoa em sua voz, uma dor que não poderia ser explicada sem ser por experiencias que marcavam sua alma tão profundamente que talvez ela nunca cicatrizasse. "Pelo jeito que fala parece que nunca tentou realmente amar alguém né?" perguntou na lata para ver se saia do foco daquela conversa. Odiava falar das próprias experiencias, porque isso abria portas para reviver as coisas que queria deixar mais do que escondidas. "Mas me diga, o que você ama Matteo? Verdadeiramente falando. Duvido que seja só o que sua rede social mostra..."
"Não," reiterou novamente, com pressa. Parecia uma péssima ideia para ele ter que explicar como ele ganhou aquele ferimento. O seu orgulho também estava um pouco ferido, pelo corte feito por um cara muito mais velho e menor, mas ele não sabia nem por onde começar a explicar o porque ele havia topado aquela ideia maluca quando foi proposta. Qualquer pessoa que olhasse o punhal podia ver que ele não valia muito. Não entendia nem ao menos o apego do homem aquele objeto. Tudo que Matteo podia sentir era uma energia estranha quando segurava o punhal. Matteo não podia estar com menos fome depois de todos os acontecidos. Haviam conseguido a adega, mas aquela história estava mais insana que necessário. Como alguém podia acreditar que eles precisavam arriscar suas vidas por uma maldição? Coisas como aquela não existiam. Mais ele não havia sido exatamente muito amigável com Helena (não que ele fosse com qualquer pessoa), e ela parecia dar o seu máximo para isso. Ele podia ser ao menos um pouco menos inflexível. "Pode ser," ele disse, forçando um sorriso com os lábios pressionados uns aos outros. "Eu posso dirigir agora," Matteo sugeriu, rezando silenciosamente para que Helena estivesse cansada ou abalada demais e concordasse com ele.
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Todos aquela confusão com o velho maluco do antiquário tinha deixado Helena uma pinha de nervos, ainda estava sem acreditar que ele tinha realmente desejado lutar com um jovem o dobro do tamanho dele , pior, tinha o ferido! "Tem certeza que não quer ir no hospital?" perguntou novamente. Tinham passado na farmácia e comprado o que precisavam e feito o curativo, porém a preocupação da mulher era genuína. Sabendo que não tinha muito o que pudesse fazer a mulher soltou um suspiro pesado olhando em volta "Pelo menos vamos comer alguma coisa? Não sei você, mas to sem comer desde o café da manhã... O que? Achava que ia ser rapidinho com a Zafira"
Observava-a pelo canto do olho, como anteriormente o fazia, sempre que achava que ela não notava. A proximidade que criaram durante os anos era... Excêntrica. Por um lado, o que os aproximou havia sido a ajuda que ela lhe dava nas matérias, como uma professora diligente, porém muito mais atenciosa com a sua dificuldade de compreensão do que seus próprios professores. Por outro lado, Matteo podia ficar escutando-a falar por horas, sobre qualquer outro assunto, assistindo envolto desde jovem o cometa que ela era. No auge dos seus quatorze anos, entretanto, ele não tinha desenvoltura o suficiente para sequer entender a atração, ou fazer algo sobre isso e, quando ela se afastou, ele definitivamente não tinha maturidade emocional suficiente para ir atrás e entender o que aconteceu. Ele deixou-a ir, sem brigas e sem esforços. Com o passar dos anos, pensou menos e menos no que poderia ter feito errado, aceitando o acontecimento apenas como fatos da vida. Agora, anos depois, talvez ele devesse ter se arrependido, tentado entender melhor o que houve, ou simplesmente não tê-la deixado ir com facilidade. Mas não podia fazer nada sobre.
Para ele, o sucesso não importava muito. Era apenas um trabalho. As pessoas provavelmente acreditavam que Matteo adorava chamar atenção, entre o instagram e o fato de não dar muita atenção à ninguém ao redor dele como se ele estivesse trabalhando o tempo todo com psicologia reversa, mas a verdade era bem mais simples; ninguém o entenderia. Ninguém compreenderia todas as distâncias que ele percorreu para simplesmente se encaixar e, ainda assim, não sentia que fazia parte ali. Não entenderiam o olhar para o espelho e ainda ver um adolescente estranho por atrás da própria imagem. Por isso lhe contava em uma das mãos seus amigos, por isso não conversava muito com ninguém. Quanto mais intangível fosse, mas fácil era manter a ilusão de que Matteo não somente se encaixava, mas talvez fosse melhor que eles. Ilusão essa que era tão facilmente desmanchável na sua cabeaça que exigia esse esforço dele. Ainda assim, fez o que era ncessário — o sorriso curto, as palavras baixas, silenciosas, 'obrigado'. O que mais podia fazer quando alguém o parabenizava? Não sentia-se merecedor, mas não iria deixar outra onda de palavras que não deveriam fazer seu caminho para fora serem vomitadas naquela conversa. O pouco que Matteo podia realmente sentir era orgulho de ter construído algo, por mais frágil que isso fosse, quando o que escutava era que nunca iria valer nada. Ou como o que construiu dava uma vida mais confortável, não apenas para ele, mas para sua família. O orgulho de simplesmente ser algo há mais quando não ouviu que iria muito longe por anos no ensino médio.
Ao ouvir a hesitação e a escolha de palavras, não sabia nem como reagir. Matteo não era exatamente tímido em relação à sua forma ou ao seu corpo, afinal, parte do seu trabalho requeria que ele compartilhasse do corpo, muitas vezes com pouca roupas, sem nenhum pudor. Mas, o comentário de Nes transformava-o automaticamente no adolescente estranho e desengonçado novamente, sem consciência corporal dele mesmo. Era uma surpresa que ele não tivesse deixado a raquete bater em sua própria cabeça depois disso. Não podia restringir o rubor de subir as bochechas, mas podia fingir a atitude blasé que sempre tinha, como se aquilo não fosse nada. “Confuso pra caralho,” as palavras saiam com mais facilidade do que ele gostaria de admitir. Sentia um leve alívio de poder falar aquelas palavras em voz alta. As únicas pessoas que podiam, de fato, entender o que acontecia com aquele grupo, eram pessoas do próprio grupo e Matteo ou não tinha intimidade com os individuais, ou tinha um relacionamento complicado. Não era como se ele realmente acreditasse nas coisas de maldição, mas a pergunta que circulava em sua mente era 'por que ele?' Ele deu um sorriso fraco quando Neslihan perguntou sobre a sua mãe, “está ótimo como sempre.” O relacionamento entre eles era bom, mesmo que não fosse perfeito. Com o passar dos anos, foi melhorando, quando Matteo deixava de ser um pequeno estorvo e passava a ser independente. O ápice provavelmente havia sido ele ter proporcionado mais para sua família, como se finalmente o fato dele ter sido um impedimento na vida dela tivesse se pagado. “Na verdade, essa história parece empolga-la,” ele disse, com um sorriso fraco e frouxo. Sua mãe sempre foi adepta ao amor. Ao menos, era o que ela falava. Os livros que lia, os filmes que assistia, e as músicas que gostavam, sustentavam uma ideia de amor que ela nunca conseguiu encontrar. Então o fato de tudo aquilo realmente existir e ela não encontrar o amor não ter sido sua culpa, parecia deixá-la em paz. “Você sempre pode ir lá, sabe?” Matteo sugeriu. A existência dele provavelmente não deveria ter ficado entre elas, se fosse escolha da sua mãe. Nes era provavelmente a filha que ela não teve e, logicamente, a próxima opção era que eles acabariam em um relacionamento. Para sua infelicidade (da mãe dele, do Matteo mais jovem também), esse nunca foi o caso. “Ela ainda adoraria ver você.” Sua mãe nunca entendeu o afastamento deles e Matteo também nunca soube explicar. Porém, depois de algum tempo, ela parou de importuna-lo sobre o assunto, vendo que as coisas não voltariam a ser como eram antes. Mas, novamente, ele não queria trazer aquele assunto a tona, receosso que aquilo pudesse mais incomodá-la do que ajudá-los. "Ela fica muito irritada que eu não como mais cannolis como antigamente."
ainda que o tempo os tivesse transformado em completos desconhecidos emocionais — não que a proximidade outrora compartilhada tivesse sido imensamente profunda, e tampouco por falta de vontade de sua parte — em khadel , era virtualmente impossível não ser alcançada por sussurros e boatos sobre qualquer um . de longe , acompanhara a ascensão de matteo , do antigo companheiro de estudos ao influencer e modelo reconhecido , desejando poder oferecer sua alegria que sentia ao vê-lo conquistar e alcançar , ainda que de uma maneira contra ela mesma lutava , aquilo que sempre almejara . então, neslihan jamais acreditara que ele precisasse se transformar para ser aceito , não quando sempre fora extraordinário sem qualquer esforço . sentia o olhar dele pousado sobre si , aquela sensação estranha e , ao mesmo tempo , agridocemente familiar , reacendendo a habilidade que desenvolvera na adolescência de perceber a presença dele sem que uma única palavra fosse dita . evitava pensar na forma como havia desfeito aquele laço , como simplesmente o ignorara sem explicações , sem justificativas , e , mais ainda , na maneira silenciosa com que ele aceitara sua ausência . vê-lo com olivia não a surpreendera — faziam sentido juntos . e , sendo ambos absurdamente especiais , se encontrassem felicidade um no outro , ela comemoraria . mas então , como era da curiosa norma da cidade , distanciaram-se , e a gökçe jamais ousou mencionar matteo à boscarino .
volvendo a atenção para a raquete que parecia quase anciã no aperto masculino , custava a crer que ele a mantivera todos aqueles anos . notava os vestígios de poeira ainda presos entre as cordas , assim como as figuras que colara pouco antes de matteo tomá-la emprestada e jamais devolvê-la . não que houvesse se importado na época , nem mesmo quando fora punida por kadir pela suposta irresponsabilidade de tê-la perdido . sua mente adolescente , fascinada , via no gesto uma tentativa inconsciente de manter consigo algo dela . assentiu quando ele confirmou que já não praticava tanto e riu baixo ao perceber a forma como se corrigia , como se as palavras lhe escapassem quase em confissão , e ante o leve rubor que tingia a pele bronzeada. ❝ bem , imagino que não sobre muito tempo , entre a academia e o seu trabalho . ❞ deu de ombros , encontrando os olhos dele , um sorriso genuíno curvando os lábios . ❝ falando nisso , acho que não cheguei a te dizer como fiquei feliz pelo seu sucesso . ❞ achar era um eufemismo indulgente — não o dissera , arrependida da turbulência que a engolira e fizera com que o deixasse para trás . e não era apenas felicidade o que sentira na época — mas orgulho .
por um instante , observou-o alongar . os movimentos agora eram fluidos , tão distintos da postura inibida de quando eram mais jovens , e ainda assim havia nele um resquício do garoto que , de alguma forma , conquistara partes da criança e da adolescente que ela fora . ❝ posso moderar meu ritmo para ser mais justa , embora duvide que seja necessário . você está muito mais... em forma do que me lembro . ❞ piscou para ele , tentando disfarçar a hesitação sobre o adjetivo a ser usado , sem revelar os verdadeiros pensamentos . meneou a cabeça para si mesma antes de girar nos próprios calcanhares em direção à lançadora , empurrando a máquina para a linha lateral e recolhendo as bolas sobressalentes . lançou uma para as imediações da rede , para ser utilizada , quando a hesitação na voz alheia a fez pausar por alguns instantes , de costas para ele . por cima do ombro , encontrou o olhar que a acompanhara . ❝ levando em consideração tudo o que aconteceu e vem acontecendo... surpreendentemente ainda sã , e você ? ❞ aproximando-se , abaixou-se para apanhar a esfera amarelada e felpuda que havia arremessado . ao se erguer , apoiou um dos quadris contra o poste , aguardando-o finalizar . ❝ e como está signorina giulia ? sabe que ainda sonho com os cannolis que ela fazia ? ❞ recordava-se da figura materna do bianchi , por vezes , com mais afeto do que da própria , e o termo respeitoso escapava dos lábios com a mesma naturalidade que parecia ter voltado a ela sem que percebesse .
Débito cármico. Aquilo sim parecia mais provável que uma maldição de desamor, porque Matteo certamente estava pagando algum tipo de pecado. Imaginou que foi por todas as vezes que não prestou atenção à missa que sua mãe o levava, ou por aquela fez que viu um vídeo... Balançou a cabeça, espalhando os pensamentos. Matteo não deixou de notar a falta de resposta do outro, mas não se manteve no assunto. Sabia que não iria ganhar nenhuma resposta melhor tentando força-lo, porque ele mesmo não daria uma se estivesse no lugar de Aaron. "Não vai me dizer que está com ciúmes?" Rebateu rapidamente. Ele sabia que Aaron e Olivia haviam sido amigos quando criança, mas não sabia muito mais informações que aquilo. Não parecia ser um assunto que Olivia gostava de falar muito e ele nunca forçou. Não sabia qual havia sido o motivo, mas não era difícil pensar que Aaron poderia ter ficado... Amargo sobre o que perdeu. O julgamento não sairia dos seus lábios, mas ele não aceitaria que o outro forçasse qualquer que fosse o julgamento que ele estava fazendo na sua cabeça. "Você é apaixonado por ela ou algo assim? Eu não tenho nada com Olivia faz anos, cara." Sua vida era bem mais que Olivia. Na verdade, faziam anos que ele e Olivia não haviam mais nada, então não sabia o que despertava essa conclusão no outro. Ao contrário de Matteo, falavam que Aaron podia ser brilhante, mas talvez algumas coisas não podiam simplesmente serem ensinadas. "Alguns papéis importantes para mim voaram e foram carregados pelo fluxo do rio para lá." Ao contrário de Aaron, sua resposta era, ao menos, uma resposta de verdade, mesmo que não fosse completamente verdadeira. Ele não falaria o teor dos papéis, mas ao menos não tinha respondido com nada além de sarcasmo.
Aaron soltou um som baixo, algo entre um riso abafado e um suspiro de desdém. Girou o vinho na taça mais uma vez antes de responder. “Isso faz mais sentido,” disse, referindo-se à teoria de Matteo sobre assassinos e vítimas. “Pelo menos explicaria por que todo mundo parece tão obcecado uns pelos outros. Débito cármico ou algo assim.” Ele deixou o corpo relaxar na cadeira, inclinando levemente a cabeça ao ouvir a pergunta sobre a cachoeira. “Como todo mundo: péssimas decisões", mentiu. Levou a taça aos lábios, analisando o homem do outro lado da mesa enquanto refletia se dizia a verdade ou não. Blackwell não queria admitir que pensara ter sentido o cheio do bolo preparado por sua mãe na infância. Por algum motivo, acreditava que aquilo o deixaria...vulnerável demais. Seus olhos avaliavam Matteo com atenção, tentando entender o motivo da pergunta. “E você? O que te arrastou para lá?", estreitou os olhos, lembrando que ele tinha alguma relação com Olivia. Não tinha? "Não vai me dizer que foi por conta da Fuentes".
Não podia culpar Christopher por não querer se envolver com aquelas mulheres. Existiam maria-chuteira, maria-gasolina, e agora, infelizmente, parecia que podiam cunhar o termo maria-maldição. Não que ele esperasse que Christopher fosse alguém que gostasse da atenção o tempo todo, como seu melhor amigo (ou talvez fosse exatamente o que esperava dele). Já Matteo, que estava acostumado com a atenção que ganhava na cidade, estava cansado da nova onda de atenção. Antes a atenção ao menos fazia algum sentido. Fosse pelo seu corpo ou por sua falta de disponibilidade, ao menos era por algo que ele fez, e não uma coisa completamente alheia a ele. Mas estava aprendendo a ignorar, afinal era tudo que podia fazer. Já tinha que lidar com as demandas de Zafira e com a loucura que era uma daquelas pessoas serem "sua alma gêmea", ele não precisava adicionar nada para que sua cabeça estivesse pior do que quando tentava passar pelo ensino médio sem Neslihan para ajudá-lo.
“Eu faço luta,” ele disse distraidamente. Não que fosse o que ele iria fazer naquele dia, mas de certa forma havia se prendido ao outro rapaz, então o mínimo que podia fazer era alinhar o que fossem fazer, “mas não pulo a musculação.” Matteo sabia o que certas pessoas pensavam dele, mas naquele lugar ele não podia ser questionado sobre o que fazia. Seu hiperfoco com seu corpo havia se tornado indiscutível e essa era, possivelmente, a razão pelo qual ele havia aprendido sobre exercício físico e alimentação de forma certeira. "Prefere começar com costas ou braços?" Matteo perguntou, focando naquilo que podia controlar e sem sair muito do assunto de onde estavam. Afinal, se não fosse pela maldição, o que mais ele e Christopher teriam em comum?
Christopher pressionou os lábios ao ouvir a menção do rumor. Seria Camilo o responsável por espalhá-lo, ou teria sido obra das mulheres que festejaram com eles naquela noite? No fim das contas, pouco importava. Conhecendo os habitantes de Khadel, aquele boato ainda ecoaria por um longo tempo. Pelo menos agora, ele já poderia se preparar para situações como aquela. "Sempre tem um imbecil " murmurou, tentando disfarçar o fato de que tinha quase certeza de quem era o culpado. A fala seguinte o fez virar levemente a cabeça na direção do grupo que, instantes antes, quase o engolira vivo. Embora não estivessem mais o encarando descaradamente, ainda lançavam olhares furtivos em sua direção. Estariam imaginando que ele e seu companheiro estavam em um encontro? Se algo do tipo chegasse aos ouvidos de Camilo, Christopher já conseguia prever os xingamentos que receberia. "Ah, não. Vim buscar um pouco de força para matar meus leões do dia, não para trocar de animal" resmungou, franzindo o cenho antes de voltar o olhar para frente.
"Bom, eu treino luta aqui. Muay Thai, para ser mais exato" disse em um tom casual. "Normalmente, faço alguns exercícios antes do sparring." Com um leve movimento de cabeça, apontou na direção do ringue, onde duas duplas trocavam golpes em sequências bem ensaiadas. Os ecos dos impactos ressoavam pelo ginásio, misturando-se ao cheiro de suor e couro desgastado. As vezes era complicado refrear a vontade que tinha de sair passando desodorante das pessoas ali dentro. "Mas, pelo que estou vendo, meu mestre esqueceu de me avisar que não viria trabalhar hoje " acrescentou com um toque de sarcasmo, dando de ombros. Ele então voltou a encarar Matteo, estudando-o por um instante. O que ouvira de Camilo deixava claro que Matteo não era exatamente o cérebro mais afiado de Khadel, mas seu físico evidenciava que ali era possuía plena noção do que fazer, o que por sua vez fazia com que Christopher ficasse menos recesseoso ao segui-lo em um treino. " Você faz alguma luta também ou fica mais nos aparelhos? É parecido o suficiente para conseguirmos encaixar algo?"
Matteo era, normalmente, o dobro do tamanho de uma pessoa comum. O seu corpo ocupava muito espaço e, se alguém tentasse lhe atravessar, provavelmente eles não teriam muito sucesso. Então, quando o estranho esbarrou com ele, seu corpo mal sofreu o impacto, mas ele sentiu o corpo da pessoa reverberar para trás. Estava pronto para pedir desculpas, mesmo não tendo sido sua culpa, mas ao ver quem era ficou astônito por um minuto. Nunca a via por lá e isso dizia muito porque Matteo vivia naquele lugar. Ele deu um passo para a lateral, Graziella deu um passo para a lateral. Ele deu um sorriso nervoso. "Bom dia, Graziella." Não existia muito entre eles, mas não era muito difícil para ele se sentir intimidado por Graziella, independente do seu tamanho. Não era nem mais o fato dela ter sido do mesmo grupo de pessoas que o atormentavam. Era apenas como ela se portava. E ainda mais agora com aquela história de alma gêmea. A ideia de um deles ser alma gêmea da Graziella, para ele, era intimidador. "Como foi a sua missão?" Acabou perguntando.
ONDE: CASA COMUNE
QUEM: GRAZIELLA & @thematteobianchi
Normalmente a mulher fazia seus exercícios dentro de sua própria casa e na academia exclusiva que tinha, mas naquele dia em específico havia resolvido fazer algo diferente. Já vestida para o treino, Graziella chegou ao estabelecimento com sua bolsa de academia em um dos ombros, os pés firmes em direção ao caminho que sabia que deveria ir, até mesmo passando pela recepção sem dizer nada. Ela só não esperava que alguém virasse e entrasse em seu caminho e trombar com o corpo que quase a derrubou no chão. Os olhos verdes por um segundo chegaram a se erguer na direção da pessoa com a intenção de matá-lo com o olhar, mas não precisou chegar muito longe para saber de quem se tratava e deu tempo da empresária suavizar levemente a expressão. "Desculpe, Matteo. Bom dia." Murmurou, tentando passar por ele para continuar seu caminho.
Se Matteo se esforçasse um pouco, ele poderia ter esboçado um sorriso com a pequena piada de Pasqualina. Ter se tornado um pouco mais receptivo ao perceber que ela não era uma das garotas loucas que estavam atrás dele pela maldição. Não que Matteo tivesse sorte, quando não era uma louca em relação à maldição, era simplesmente louca. Ele não tinha muita sorte naquele departamento. Porém, ele não conseguiu fingir o sorriso, não conseguiu fingir que estava tudo bem, pelo menos não pelas suas expressões, por mais que as palavras falsas saíssem com facilidade. "Eu estou bem, Lina," ele disse distraidamente. O que mais poderia dizer ou fazer? Mesmo Pasqualina sendo uma das pessoas naquele grupo exótico, eles não tinham tanta intimidade, por mais que se conhecessem por muito tempo. Matteo costumava ser como óleo e água com a maioria das pessoas, então não era estranho que ele e Pasqualina não tivessem muito em comum. Ele respirou fundo e finalmente forçou o sorriso, se virando para ela, "e você? Como estão às coisas?" Mesmo não perguntando diretamente, queria saber como ela estava com aquela loucura de maldição.
"Ah, desculpe..." Pasqualina já se preparava para levantar, embora o assento ao lado dele estivesse claramente disponível. O aviso de ocupado em forma de um resmungo pareceu direto o suficiente. Sentou-se novamente depois dele ter percebido que não era uma das fangirls da maldição. "Oh, não, não vou pedir para tirar foto com um 'reencarnado'." Repetiu o gesto das aspas, com um sorriso fraco. Depois das missões, Lina andava muito pensativa, com um semblante aéreo e ao mesmo tempo preocupado, não imaginava que alguns do grupo acabariam se machucando de forma tão severa. "Só vim dizer oi e perguntar como você está. Está tudo bem?" Perguntou com o olhar fixo na garrafinha de água que levava na mão, sem retonar o olhar a Matteo.
@khdpontos
Para Matteo, nunca havia sido fácil expressar seus sentimentos. Desde pequeno, lhe faltavam palavras; vocabulários extensos que permitiam que os mais intricados sentimentos pudessem ser externalizados. Quando era mais novo, a falta de habilidade com as palavras se transformavam em birra, mas a medida que cresceu, aquilo não podia mais acontecer. Ele já era estranho demais sem que os olhos ficassem molhados cada vez que sentisse raiva ou frustração. Além disso, era mais um motivo para as crianças pegarem no seu pé. Então, não importava o quão ruim fosse reprimir as emoções, era isso que Matteo precisava fazer. E, com o passar do tempo, ia sentindo cada vez menos, se desassociando dos seus próprios sentimentos, como um espectador, assistindo um personagem dissimulado se mover pela sua vida. Ele deu um sorriso e um suspiro. Olivia não sabia, obviamente que aquele personagem da rede social não era exatamente Matteo. Era quem ela havia conhecido. Ele não achava que toda a conexão que tiveram era falsa. Noites adrento conversando, mesmo que entre planos para as redes sociais de ambos, não haviam exatamente mentido um para o outro. E ele sabia que havia tido uma conexão maior que apenas a física. As palavras de Liv eram muito bem escolhidas, eram coisas que ele gostaria de escutar, mas talvez ele preferisse que ela se irritasse, gritasse. Qualquer coisa provavelmente era melhor que aquela empatia e compreensão, como eles não tivessem feito milhares de escolhas erradas, por começar da forma como terminaram, para então se evitarem por anos, mesmo morando na mesma cidade.
"Não.” A resposta monossilábica era tão característico da sua pessoa, mas para aquela conversa não iria funcionar. “Não, mas você assume que tudo o que a gente quer é o que deve ser feito." Não podia falar se aquele era um problema daquela conversa ou de Olivia em geral, mas as coisas não eram tão simples quanto querer. Adultos não podiam fazer simplesmente só o que queria. Apesar da infância difícil, Matteo ainda via Liv como uma das crianças ricas que sempre teve o que queria e, talvez, assim, não soubesse levar um não. Ele olhou para as mãos enlaçadas. O sentimento definitivamente não era ruim ou estranho, mesmo que ainda tivesse a sensação que estava assistindo as coisas acontecerem de fora do seu corpo. Era natural, talvez até demais, como as mãos deles ainda se encaixavam ou como o apelido não soava estranho na voz dela. Ele manteve os olhos baixos, encarando o ponto onde as mãos se encontravam e ele podia sentir o calor emanando de Olivia. "Você quer uma conversa sincera, mas você está andando em círculos, Liv,” Matteo apontou. Não num tom julgador, mas queria que fossem direto ao ponto ao invés de ficarem circulando o fato dele estar desconfortável como urubus ao redor dos cadáveres. "Já está estabelecido que existem milhares de lugares que eu preferiria estar do que aqui. Não por sua causa, mas nada nessa situação é onde eu gostaria de estar, então…” Falou com um tom definitivo, colocando um ponto final, ao menos naquela parte da conversa. Matteo não gostava e não se sentia confortável, isso não negava o fato de que ele sabia que aquela conversa era inevitável e importante, ele reconhecia isso. Ao invés de ficarem dançando ao redor disso, se fossem talvez direto aos acontecimentos, ele pudesse finalmente respirar em paz. “Eu não deveria ter respondido com um emoji, e eu não deveria ter simplesmente aceitado o término daquela forma.”
Olivia piscou, surpresa. Matteo raramente falava tanto, ainda mais daquele jeito, tão direto, tão... afiado. Por um instante, ela ficou em silêncio, absorvendo cada palavra, cada entonação, cada resquício de frustração reprimida. Ele sempre fora contido, sempre manteve uma barreira entre ele e o mundo, mas ali, agora, ele estava deixando que ela visse o que havia por trás. E, por mais que a princípio aquilo a pegasse desprevenida, não a assustava de verdade. Um sorrisinho surgiu no canto dos lábios de Olivia, esperando que ele colocasse para fora todas as palavras pesadas que refletiam seus sentimentos, para que pudesse falar. — Sim, é isso que eu queria ouvir. — Seu olhar encontrou o dele, e dessa vez não havia provocação, apenas uma franqueza que talvez fosse mais perigosa do que qualquer jogo que pudesse jogar. — Não exatamente que você está desconfortável, sinto muito por isso, mas queria te ouvir sendo sincero. Você raramente fala o que sente, e eu sempre apreciei as vezes em que fez. — Ela inclinou a cabeça levemente para o lado, estudando o rosto dele por alguns segundos, como se tentasse decifrar algo, antes de continuar. — Eu nunca precisei que você fingisse gostar das coisas por minha causa. Você nunca precisou se dobrar para me agradar. — Era verdade. O fato de ele ser bonito, atlético e iniciando a vida de celebridade virtual foi o suficiente para que ela visse potencial nos dois, mesmo que isso significasse que não teria atrás de si um homem obcecado por ela - algo que Olivia apreciava bastante. No entanto, foi preciso mais do que isso para que ela se mantivesse interessada, e, de alguma forma, ele havia conseguido.
— Não espero um pedido de desculpas, espero termos uma conversa franca. Mesmo que isso signifique que você vai apenas escutar e concordar com a cabeça. — Mas ela esperava que ele dissesse algo, qualquer coisa, mesmo que fossem aquelas palavras duras desde que fossem seus sentimentos reais. — Não me importo de você não ser um dos meus admiradores. Você me desafia, e eu até gosto disso. — Olivia sorriu de leve, sem ironia, sem malícia, apenas sorriu. Ela respirou fundo, e então, suavemente, deslizou sua mão pela mesa até tocar a dele, com cautela. Seus dedos encontraram os dele com uma leveza quase hesitante, mas ao mesmo tempo firme. Não era um pedido de desculpas nem uma tentativa de suavizar a tensão com um gesto romântico. Era apenas um lembrete de algo que Matteo parecia ter esquecido: o quanto os dois se combinavam, mesmo tão diferentes. — Eu sempre soube lidar com o seu desconforto, mio bello. — Usou o apelido da época em que eram namorados. Sua voz veio baixa, sem o desafio de antes, mas com uma clareza que não deixava espaço para dúvidas, e o olhar tão intenso encarando os dele que era possível ver com nitidez sua intenção de apenas... conversar. — Você acha que eu não sei que você odeia estar aqui? Que não percebo quando está desconfortável? Eu sempre percebi. Sempre. — Apertou um pouco mais a mão que segurava, como se o convidasse a sentir a sua honestidade. — Eu não quero que vá embora, Matteo. A questão é... você quer ficar? — Ele mesmo havia concordado que precisavam conversar, e havia tanto que ela gostaria de ouvir e dizer.
Ele balançou a cabeça, esboçando pela primeira vez naquele encontro um pequeno sorriso. A ideia de que a maldição existia, para Matteo, era juvenil e uma forma de se eximir da responsabilidade que um relacionamento tinha. Haviam diversos casais casados em Khadel. Estavam todos eles fingindo? Era tudo uma ilusão? E por que as pessoas participariam daquele surto coletivo? Para ele, o fato dele, ou pelo menos aqueles ao seu redor que reclamavam da falta de amor, era o que acontecia naquela geração. As redes sociais criavam expectativas irreais, as pessoas estavam distantes, não se conectavam, e ninguém queria se dar o trabalho ou ceder. No seu caso, Matteo simplesmente não queria se dar o trabalho. Não negaria a existência do asco, mas como ele via era apenas uma resistência para as pessoas realmente se aprofundarem umas as outras. Era o seu cérebro dizendo que não valia a pena e, por isso, era muito fácil virar as costas. "E quais são exatamente os efeitos dela?" Perguntou com certa curiosidade, porque ela devia enxergar algo além do que ele via. Era quase engraçado como as percepções das pessoas eram diferentes, porque se ela parecia envergonhada falando, a descrença de Matteo era quase palpável. Ele não precisava de desculpas para o seu comportamento. Não precisava explicar a sua falta de amor. Já havia aceitado o seu destino e percebido que as pessoas não faziam por se merecer, então era tão mais fácil estar sozinho. Não se consideraria egoísta em outras situações, menos no 'amor' (ou falta dele). "Eu não acredito que a gente não ame por causa de uma maldição, Helena." Por mais que não compartilhasse a mesma visão da Helena, ele não queria minimizar a experiência dela. As pessoas podiam acreditar no que quisessem. Não se sentiria bem se ela virasse e o considerasse um idiota porque ele não acreditava naquela história.
"Você já tentou, Helena? Mas tentou de verdade?" Porque Matt podia dizer que ele não havia tentado tanto assim. Ao primeiro vestígio de algo, Olivia se afastou e Matteo não fez questão de tentar nada que pudesse os manter juntos. Ao seus olhos, aquele era o motivo de não amarem, não uma maldição. Se todos desistissem tão fácil quanto ele, ninguém poderia passar das suas próprias barreira para o amor.
Por mais que fosse algo tão natural quanto respirar, Helena não queria dar a impressão de que ostentava um rei na barriga por sua fama ou se vangloriava do que havia conquistado. Em Khadel, ou melhor, naquele encontro, ela queria ser apenas a Lena: a mulher determinada, divertida, capaz de conquistar a simpatia de qualquer um, e não a atriz famosa, com ares de soberba, que havia sido criada ao longo dos anos. No entanto, o rapaz à sua frente não parecia colaborar muito para tornar a noite agradável, afastando cada vez mais a ideia de que ele pudesse ser sua alma gêmea.
"Bem, eu sempre senti os efeitos dela, então não tenho como desacreditar..." admitiu, um pouco envergonhada por estar compartilhando aquilo. Não era algo que gostava de relembrar e muito menos de falar. Eram anos de desamor que tinham deixado cicatrizes, tanto que só de lembrar do gosto amargo das despedidas ainda permanecia nos lábios. Não era perfeito sumir antes que pudesse sentir mais do que amizade ou carinho, mas era uma forma de se proteger e uma forma de mostrar o afeto genuíno, afinal não gostava de guardar sentimentos ruins por aqueles que gostava. "Você não acredita? Digo, porque se isso for real a gente pode, não sei, voltar a amar!" continuou um tanto animada mudando de posição para ficar um pouco mais inclinada em direção ao rapaz
Nos olhos dela tinha um brilho de esperança que chegava a ser triste de ver. Porque nada tinha lhe dado a certeza que daria certo, mas ainda assim a fé que tinha crescia e dava a ela uma força para tentar "Vivemos uma vida incompleta Matt, se eu puder sentir nem que seja um gostinho do que eu vejo nas telas..." por um momento ela parou no lugar olhando em volta antes de suspirar e voltar a se encostar na cadeira "Sei lá, acho que todos merecem mais do que isso." Eu mereço mais que isso.
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Matteo estava irritado com a ferida no seu braço. Já não ardia ou incomodava no dia-a-dia, mas ainda não lhe deixava malhar com toda a amplitude que gostaria. Ao menos ele não havia levado um tiro ou quase morrido. Parecia até mesmo idiota está incomodado com um ferimento tão mínimo quanto os outros tiveram coisas muito piores, mas os movimentos limitados faziam com que ele não pudesse fazer algo melhor do que pensar demais no que vinha acontecendo desde então. Ele nunca havia sido a pessoa que acredita na lógica como alicerce de tudo, mas também não era guiado pela fé cega. Ele estava confuso. Nada fazia sentido. "Está ocupado," ele resmugou para a pessoa que se sentava ao seu lado sem prestar atenção em quem era. Não estava a fim de bater papo com nenhuma maria-maldição. "Ah, pensei que era alguma pessoa louca que quer infernizar um "reencarnado"," ele fez as aspas com as mãos, ainda recusando a tomar aquele título como seu.
( @khdpontos )