Angelina escutou as palavras de Juno com atenção, sem interromper. Os olhos repousavam nela, atentos, mas sem invadir. Era como se estivesse entrevistando alguém para uma matéria que jamais seria publicada. Deixou o galho que segurava cair no chão e limpou as mãos nas laterais da calça suja. Não respondeu de imediato. Seu instinto era questionar e o que exatamente significava sobreviver, em termos práticos, racionais? Mas havia algo no jeito como Juno falava que a fez frear. — Talvez seja isso mesmo. — Murmurou, depois de alguns segundos. — Mas às vezes... eu fico pensando se a gente realmente sabe o que precisa. Ou se só estamos nos convencendo disso pra continuar andando. — Não havia crítica na fala. Era só o jeito que ela pensava. O olhar foi parar no lago, na superfície calma demais. — Você fala do tempo como se ele fosse o vilão. Talvez seja. Mas também pode ser só testemunha. Ele tá aqui, observando a gente enlouquecer, ou não. — Angelina riu de leve não com humor, mas com uma ironia cansada. Ela virou o rosto de volta para Juno, os olhos curiosos, mas sem julgamento. — Mas se sua criatividade tá voltando, mesmo que no pior cenário possível... Talvez seja algo bom, né? — Fez uma pausa, pensativa. Se abaixou para recolher outro pedaço de galho, antes de finalizar, de forma mais leve, quase um sorriso nos lábios. — Só cuidado com o que você alimenta. Tem histórias que a gente conta pra sobreviver, mas que depois acabam comendo a gente por dentro. E, olha, se um dia você resolver escrever um livro de mistério, coloca meu nome nos agradecimentos. Só não me mata logo no primeiro capítulo, por favor. — Ela soltou uma risadinha.
* existia uma parte que queria muito acreditar no que angelina dizia. na verdade, ainda sentia aquele resquício da antiga juno benítez lutando para sobreviver, respirando por aparelhos. essa era a resposta que daria para si mesma. só que a consciência da fragilidade daquele pensamento não lhe era mais estranha; sabia que precisava de mais do que aquilo, mais do que sobreviver. sobreviver consiste em quê, no fim das contas? comer quando precisa e não morrer de frio não parecia o suficiente. — acho que cada um sabe o que precisa para sobreviver. e acho que em algum momento só comer e acordar pode não ser suficiente. o tempo é uma coisa engraçada, algumas coisas caem por terra. e nem demora tanto. — foi o comentário que fez, quase em sussurro. falava de uma experiência humana geral, mas que tinha comprovação agora. oito dias não era nada em termos de tempo, e olha só onde ela estava. já abraçando todas as teorias que um dia rechaçou. — mas é, talvez seja o tédio. eu realmente sempre gostei de livros de mistérios. minha mãe sempre me disse que eu tinha imaginação fértil e que bloqueei ela com o passar dos anos. que acessar ia ser fácil. — "se eu soubesse que tudo o que bastava para voltar a ser criativa era uma queda de avião!", riu em silêncio, dolorosamente. / ♡
Havia algo no jeito que a outra falava que incomodava Angelina, talvez a necessidade insistente de encontrar um significado oculto, mas era diferente para ela. Ela queria dizer algo reconfortante, mas também não via sentido em alimentar uma ideia que, para ela, era besteira. — O que aconteceu foi um desastre. Acidentes acontecem, sobreviventes aparecem às vezes. Como aquele avião que caiu nos Andes. Foi uma sequência de eventos infelizes que nos trouxe até aqui, e agora a única coisa que importa é o que a gente faz pra continuar viva. — Angel fechou os olhos por um breve segundo. Ela sabia. Sabia dos números. Sabia que, depois de um tempo, as manchetes perdiam força, que novos desastres surgiam para tomar o lugar delas. — Acho que ninguém mais aqui espera otimismo, pra ser sincera. — Deu um meio sorriso, cansado. — Eu sei que é difícil aceitar que algumas coisas simplesmente acontecem. Mas a gente não tá em um livro de mistério. Não tem resposta escondida em algum canto dessa floresta. Só tem a gente, e o que a gente faz pra sobreviver. — E, para Angelina, isso era o suficiente.
* juno sabia que metade das coisas que falava podia ser sentido. céus, ela mal se reconhecia. nove dias atrás, teria rido se encontrasse alguém repetindo as mesmas coisas que ela fala. então sim, ela sabia o que parecia para os demais. talvez devesse ir arrumar a cabana, procurar comida ou achar outra coisa útil para fazer. só conseguiu pensar na sua mãe. "existem coisas mais ou tão úteis quanto ser produtiva ou lógica. sonhar é tão importante quanto ocupar as mãos". só que não estava sonhando; se estivesse, seria um pesadelo. jamais se imaginou nessa posição. — pode ser. — disse, sem carisma algum, chutando uma pedra no lago. estava um pouco exausta também, como se precisasse sempre lembrar a todos que não era maluca. — mas as estatísticas também dizem que a porcentagem de queda de avião é mínima. que é tão seguro quanto andar de carro. sem contar que após oito dias de desaparecimento de um avião... algumas pessoas param de procurar. — compartilhou. sabia que não era legal ouvir aquilo. mas se as pessoas não queriam falar com ela sobre os significados das coisas, então talvez pudesse tentar mostrar como nem tudo era lógico. na verdade, não tinha nenhuma lógica no que estavam vivendo. — desculpa pelo tom pessimista. mas é que sinto que as pessoas querem ignorar as coisas. mas uma hora ou outra, a gente vai precisar lidar com certas verdades. / ♡
Angelina escutou Juno em silêncio, observando-a com atenção enquanto ela hesitava nas palavras. Inclinou levemente a cabeça, esperando que ela terminasse, mas não terminou. A frase ficou suspensa no ar, e ela percebeu que a outra garota não tinha coragem de dar nome ao pensamento. Ela entendia. Às vezes, as palavras faziam os horrores parecerem mais reais. — Eu acho que alguém esteve aqui por muito tempo. E acho que ninguém constrói uma cabana no meio do nada sem um motivo. — Angel soltou um suspiro e passou a mão pelos cabelos, jogando-os para trás. — Pode ser só uma cabana velha e um esqueleto de um caçador azarado. — Sua voz carregava um tom prático, mas não exatamente duro. Era simplesmente lógica. — Pessoas morrem na floresta o tempo todo, Juno. Especialmente se estão sozinhas. Você já leu as estatísticas? Eu acho que a gente está exausta, faminta e, pra ser bem sincera, desesperada para encontrar um sentido em qualquer coisa. Mas isso não significa que tenha um mistério aqui.
onde: beira do lago, fora da cabana
quando: 2010, oitavo dia (timeline passada)
quem: juno & open
* — eu... já disse tudo que aconteceu. estava lá, parado... com a espingarda... como se... — "esperasse alguma coisa" era o complemento. mas juno se manteve quieta; já era ruim o suficiente ter sido ela quem encontrou aquilo, como se estivesse amaldiçoada. com certeza as suas observações e sentimentos eram estranhos e malucos o suficiente só na cabeça dela; dizer em voz alta seria absurdo demais. colocou os pés no lago. o clima ameno já estava dando as caras e ela finalmente sentia o humor melhorando um pouco. seria melhor lidar com esqueletos e assombrações com um pouco mais de calor. — só achei estranho porque esse lugar parece no meio do nada. provavelmente por isso que ainda não nos acharam. mas... tinha alguém aqui em algum momento. pode ser que... ainda tenha... — "se não alguém, talvez algo", esse complemento ela guardou. — o que você acha disso? da cabana, do esqueleto...? — perguntou à MUSE. ia ser bom ter perspectivas externas. talvez a ancorasse mais no momento, enquanto se sentia cada vez mais flutuando para outro plano. / ♡
𝐜𝐥𝐨𝐬𝐞𝐝 𝐬𝐭𝐚𝐫𝐭𝐞𝐫 for @juncyoon -> “i’ll aid your plight, why not?” + parque aquático (área verde)
Estava sentada no bar com uma bebida em mãos, os olhos postos em um dos toboáguas em que alguns dos semideuses mais novos se divertiam. Tinha sido uma pena se enganar e achar que aquele bar servia bebidas com álcool, mas já que tinha pedido o drink, não o iria desperdiçar. Ou pelo menos era sua intenção antes de deixar cair o copo sem querer, o fazendo despedaçar no chão. "Merda..." Murmurou enquanto se abaixava para apanhar os vidrinhos, não querendo que alguém se machucasse ali quando ouviu o filho de Deméter. "Obrigada! Nem sei como o deixei cair."