❛ i don't like where this is going. ❜
Estava organizando velas em pequenos potes improvisados com o fundo de garrafas cortadas. Parou por um segundo, o maxilar travado, o olhar fixo em uma vela ainda apagada. Então, inspirou fundo. — Não me diga que também está entrando na ideia de que tem alguma coisa assombrando a cabana. — Angelina arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. — Não pode ser que metade das pessoas aqui esteja tendo alucinações ao mesmo tempo. Isso tem nome, se chama histeria coletiva, trauma coletivo. Algo assim. — Houve um silêncio entre elas. Não era um silêncio hostil, mas carregado de preocupação. Ela ainda segurava uma das velas, agora tremendo levemente nas mãos. Tentava manter a compostura, mas o medo já estava infiltrado nas frestas da lógica porque ela também não conseguia dormir a noite por ter pesadelos. — Só me promete uma coisa. — Pediu, em voz baixa. — Que se tudo isso… continuar a piorar, você vai continuar falando comigo. Mesmo que eu diga que não quero ouvir.
Angelina já estava acostumada a ver Eliza no modo comando. A maneira como a amiga se movia, o tom certeiro da voz, os olhos que mal piscavam. Era como ver alguém tentando manter o mundo inteiro colado com fita adesiva e fazendo um bom trabalho, mesmo que tudo estivesse prestes a desmoronar. Só que, ao mencionar as observações comportamentais que vinha fazendo em seu caderno, Angel notou a mudança imediata na postura da outra. Ela ficaria do mesmo jeito. Angelina inclinou levemente a cabeça, sem responder de imediato. — Fica tranquila, não é nada invasivo. Só percepções soltas, sabe? — Sorriu com leveza, tentando dissipar a tensão. Angel deu um sorriso enviesado. — Com um índice de confiança desse, acho que você deveria ser contratada por um hospital quando a gente sair daqui. — Angelina a olhou por um segundo mais longo. Não sabia como Eliza fazia isso de continuar prometendo coisas como se fosse a única responsável por manter todos inteiros. Mas algo dentro dela admirava profundamente aquela coragem. A estudante estendeu a mão, pousando de leve sobre o joelho da amiga. — Sua promessa vale muito pra mim, mas você não precisa prometer o tempo todo. Tá tudo bem. — Angelina deu uma risadinha, apesar de tudo. — Eu meio que odeio essa ideia e ao mesmo tempo, parte de mim quer ver como vai ser. Tipo, que tipo de gente dança no meio do fim do mundo? — Ergueu as sobrancelhas, encarando Eliza com uma expressão curiosa, como se estivesse convidando a amiga a rir com ela da tragédia.
A ideia de Angel estava fazendo completo sentido na mente de Eliza até que a colega completou sua explicação com algo que a deixou em alerta. "Observações sobre comportamento? Como seria esse processo exatamente?" Por um segundo, seu corpo enrijeceu com a possibilidade de que Angel tivesse presenciado o momento em que sua ficha finalmente caiu quanto ao resgate. Não queria que aquilo se espalhasse. Não gostaria que todos ficassem sabendo sobre suas crises e que ela não era tão pé no chão quanto imaginavam. "Consigo entender completamente. Também faço isso, mas estava anotando tudo em caixas mentais. Isso aqui é muito mais seguro. Posso provar, ponto por ponto, para cada um dos que não estão fazendo o que eu pedi." Um tanto controladora demais da sua parte, mas não tinha quem tirasse da mente de Liz que só conseguiriam se manter vivos por mais tempo ali se seguissem suas ordens corretamente. A sobrevivência dependia de estrutura. Por isso que também não podia mais correr o risco de sair do eixo novamente. Perder a estrutura poderia colocar todo mundo em risco. "Noventa e seis por cento de certeza. Eu já li muito sobre essas folhas que encontrei e consegui reconhecer as similaridades com as descrições dos estudos. O formato, a textura, o cheiro. Tudo bate! Elas tem propriedades que são cicatrizantes, antissépticas e ajudam a conter hemorragias leves. Só preciso fazer o remédio com água quente e vão ajudar." Ao ouvir o nome do manual sugerido pela amiga, Liz conseguiu abrir um pequeno sorriso e agradeceu com bom humor por ter a certeza que seu nome estaria nos créditos. "Vai funcionar, Angel. Não sei como vamos sair daqui, mas enquanto eu puder fazer alguma coisa, vamos sobreviver. Prometo para você. E eu acho que minha promessa precisa valer de alguma coisa, porque não me lembro de ter falhado nenhuma vez." Talvez tivesse, sim. Uma ou duas vezes. Mas não era o tipo de coisa que ela estava disposta a admitir para alguém. "Ah, e também vou precisar do seu caderno e anotações para organizar o tal baile essa semana." Rolou os olhos, já deixando claro para a amiga como nada fazia sentido aos seus olhos. "Como se aquele jogo idiota já não tivesse dado problema o suficiente."
Angelina já estava sentada há algum tempo, encarando o nada. Só pensava. Tentava organizar o caos da noite em algo que fizesse sentido, mas a verdade é que nem sua mente lógica conseguia dar conta daquilo. Tudo parecia ter saído de um roteiro barato de terror, e ainda assim, uma parte dela dizia que havia sido real. Angelina soltou um riso discreto, balançando a cabeça quando notou que não estava sozinha. Agradeceu mentalmente por ser Finnegan porque ele a entendia e não a chamaria de louca por estar falando sozinha. — Você quer dizer o nosso maravilhoso resort cinco estrelas no meio do mato? — Respondeu, ainda sem olhar diretamente pra ele, os olhos seguindo uma folha que tremia ao vento. — Com direito a cardápio rotativo de carne de cervo e chá de plantas suspeitas? — Era uma piada, mas as palavras carregavam um cansaço verdadeiro. Finn comentou que não acreditava em nada daquilo, e ela finalmente virou o rosto para encará-lo. — Eu também não acredito. — Murmurou. — Quer dizer, não do jeito que estão dizendo. Espíritos, maldição, essas coisas. — Angelina apreciava a presença dele. — Claro, é estranho uma pessoa morando no meio de uma cabana no nada, mas espíritos é demais. — Ela suspirou porque odiava ter perdido a conta dos dias. Aquilo sim era sinal de surto. — Perdi a conta no décimo quinto. — Respondeu, encostando a cabeça nos joelhos abraçados. — Eu tô tentando entender como é que a gente chegou nesse ponto. Como é que uma brincadeira virou um símbolo de desespero. — Ela disse, olhando para o horizonte, onde o céu começava a abrir.
Não conseguia acreditar em tudo aquilo que rolou na noite anterior, já era difícil cair em pegadinhas envolvendo espíritos e para Finn tudo aquilo foi uma mera coincidência junto a algum engraçadinho se aproveitando do pavor para instaurar mais pânico. Não sabia quem, mas passaria a observar melhor os outros sobreviventes e, no primeiro indício de que estariam causando de propósito, os jogaria na roda. Tinha o costume de sair cedo, isso quando não dormia, para caminhar e organizar os próprios pensamentos. Ele precisava ser lógico, ignorar qualquer crença, rituais ou histórias que os outros estavam espalhando para se aproveitar das mentes mais frágeis. Se perguntava quando o regaste viria, se é que viriam em algum momento, mas torcia para que fosse antes de um surto coletivo generalizado. Ele preferia morrer do que entrar na onda dos outros e só se imaginar crendo em fantasmas já o tira a do sério. Angelina era uma das poucas que pensava assim como ele, tanto que na maior parte do tempo, quando não estava ocupado com seus afazeres envolvendo a melhoria daquela cabana e a busca por alimentos, Finnegan sempre se encontrava com a garota para conversarem. Não disse nada quando se aproximou, apenas ouviu tudo o que ela tinha a dizer ciente que, colocar para fora era melhor do que guardar para si. — Vou adorar ler tudo o que você escrever a respeito da nossa incrível experiência nesse lugar. — Comentou em meio ao riso divertido com a menção do cardápio. — Não acredito em nada do que aconteceu, mas estou tentando respeitar quem está surtando e se agarrando a uma justificativa para o que houve. — Tomou a liberdade de se sentar próximo a pedra onde Angelina estava. — É complicado... Estamos aqui já faz quantos dias? Nem lembro mais. — Finnegan parou de contar depois da primeira semana, para ele fazia mais sentido não fixar seus pensamentos nos dias que passavam para não piorar ainda mais sua ansiedade.
Ela não queria ser grossa. Só estava cansada. E sabia que, naquele lugar, qualquer fagulha podia virar incêndio. Quando a farpa foi retirada, Angelina sentiu o alívio imediato, não tanto pela dor, mas por ter sido tirada, por poder se concentrar em qualquer coisa que não envolvesse cadáveres ou silêncio demais. Angelina arqueou uma sobrancelha, os cantos dos lábios finalmente se curvando em um esboço de sorriso. — Tocava direto... 'Here Comes the Sun', eu acho. Meio irônico agora, né? — Comentou, deixando o sarcasmo leve escapar, mas sem qualquer intenção venenosa. Começaram a andar juntas, e Angelina soltou uma risadinha nasal, curta. — Se curtia, deveria ter dado no pé antes da trilha sonora virar silêncio mortal. — Ela olhou para a lateral da cabana, onde pilhas de lenha improvisadas estavam mal empilhadas. Parte de si só queria voltar pra dentro e fingir que nada existia, mas a outra parte, a que sabia que sobrevivência envolvia trabalho, sempre ganhava. Quando a sugestão veio, ela assentiu com a cabeça, relaxando um pouco. A verdade é que, naquele mundo novo e sufocante, qualquer conversa normal, qualquer lembrança boba sobre música ou rádio, era bem-vinda. — Sabe… às vezes eu me pego pensando no primeiro dia de aula na faculdade. Naquela palestra insuportável sobre ética, eu só queria estar em outro lugar, qualquer lugar. Pois é. — Ela riu baixo, abafado, como se estivesse contando uma piada para si mesma. — Devia ter sido mais específica no pedido.
não se intima com a nuança ríspida que oscilou dos lábios de angelina . ora , ninguém ali está em pleno juízo ! as emoções oscilam e são razoáveis de serem explicadas ; a própria está abalada e volúvel a maior parte do tempo . como você preferir . replicou com suavidade diante à primeira negativa , os ombros se elevam e depois relaxam quando expele a tensão contida na caixa torácica . lembrei de uma coisa aleatória . não demora mais do que três segundos para que retire a farpa . um ínfimo instante para que pense — quase que falhamente — em outra coisa que não seja o cadáver no andar de cima . não tinha uma música na rádio da faculdade ? era beatles ? a sentença é mais para distrai-la do incômodo momentâneo , onde se põe a caminhar ao lado dela diante à sugestão . será que quem morava aqui curtia esse tipo de música ? estalou a língua no céu da boca , entretida , quando se ofereceu indiretamente para ajudá-la . aposto que a gente consegue carregar mais lenha juntas .
A voz de Theresa cortou o ar pesado dentro da cabana e Angelina, sentada em um canto, ergueu os olhos do pedaço de madeira que segurava e arqueou uma sobrancelha. Angeline trocou um olhar rápido com os outros, mas ninguém disse nada. O silêncio que se seguiu dizia tudo. Ninguém gostava do andar de cima por causa de um esqueleto. — Hmm, sério? — Ela perguntou, sua voz curiosa, mais leve do que cínica. — Você vai dormir lá em cima só para provar que não tem fantasma? Não seria mais fácil... sei lá, ignorar? — No fundo, todos estavam tentando dar algum sentido a tudo o que estavam vivendo. — Tá bom. Vou com você. — Não esperou a resposta da outra e decidiu que iria provar junto com ela que não havia nada demais naquele lugar.
timeline passada dentro da cabana
"Tanta rumores sobre o andar de cima, vou provar que não tem nada disso!" Anunciou Theresa. Estava cansada dos rumores que o andar de cima estava amaldiçoado quando sabia muito bem que isso não existia, a unica coisa que poderia ser chamada de sobrenatural era o seu amado Deus e Jesus Cristo. "Eu vou, a partir de agora, dormir no andar de cima e provar que nada de mal se passa. É apenas uma cabana velha." Um enorme suspiro saiu dos seus lábios enquanto ela arrumava os cobertores e almofadas que levaria para o andar de cima.
“I don’t need a break. I’m okay.”
Angelina a viu antes mesmo de Pandora perceber que estava sendo observada. Havia uma insistência nos movimentos dela que não pareciam ter a ver com foco, era uma fuga. E Angel reconhecia fugas quando via uma. Pandora não parava. Desde cedo, corria de uma tarefa a outra, mas Angel sabia: ninguém agia assim sem motivo. Sugeriu uma pausa e recebeu a resposta. Ela ouviu a frase, mas não acreditou nela. Na verdade, a certeza de que era mentira caiu como pedra. — Você não precisa provar nada pra ninguém, Pan. Nem pra mim. Nem pra eles. Nem pra você mesma. — Ela tocou de leve no braço da amiga, só o bastante para que ela sentisse o calor de um gesto, sem forçar nenhuma abertura e então se ajoelhou para ajudar com aquelas flores para a montagem do baile. — Tô ali, se mudar de ideia. Ou se quiser só… sentar comigo e fingir que o mundo ainda faz sentido. — E com isso, Angel ficou em silêncio respeitando ela, mas deixando um espaço aberto. Pandora podia ocupar aquele espaço quando quisesse.
open starter, timeline passada.
Angelina saiu ainda era cedinho da cabana. O céu parecia um pouco menos fechado, o que, para Angelina, já era uma vitória. Sentou-se em uma pedra úmida próxima ao lago, onde a névoa ainda se agarrava às bordas da floresta. Olhou ao redor antes suspirar. — Tá... então agora fantasmas e espíritos brincalhões fazem parte do cronograma. — Murmurou para si, com um meio sorriso que era mais cansaço do que sarcasmo. — A gente tá há dias sem comer direito, dormindo mal no meio de uma cabana podre e a explicação mais lógica que as pessoas encontram é espírito brincalhão. — Ela sabia que todos estavam se agarrando ao que podiam: distrações, rituais, teorias malucas. O ar estava mais denso mesmo, ela não podia negar. Mas ainda assim, sua mente gritava por lógica. Aquilo era trauma, medo coletivo. Uma brincadeira mal colocada no meio do cansaço e da fome. Por isso nem percebeu quando MUSE se aproximou, a ouvindo falar sozinha enquanto tentava encontrar um pouco de razão naquela loucura. — Eu juro que vou escrever um artigo sobre histeria coletiva se a gente sair dessa, mas até lá vou anotar o cardápio. Entrada: berries da floresta. Prato principal: urso flambado ao desespero. E sobremesa: teorias conspiratórias. — Ela riu de leve, não zombando, mas tentando aliviar o peso. Sabia que zombar da dor dos outros não adiantava, mas às vezes o humor duvidoso era a única âncora possível e até então achava que estava sozinha.
❛ i really, really don't like this. ❜
Angelina já havia aprendido a confiar na própria intuição. E naquele instante, enquanto observava Basil à distância, estava agachada perto da fogueira como se estivesse tentando convencer a própria mente de que aquele era só mais um dia qualquer, algo nela acendeu em alerta. A floresta parecia ter prendido o fôlego. Não havia som de vento, nem o farfalhar das folhas como de costume. Olhou ao redor confusa e ouviu o dito dele. Angel não respondeu de imediato. Só passou a mão pelo cabelo, exalando uma inquietação crua que parecia não caber naquele corpo tão habituado à rigidez. Angelina engoliu em seco. Ela queria continuar cética, queria manter o foco no que podia ser explicado e racionalizado. Mas tudo estava saindo do controle. Até Basil estava e isso a deixava sem chão. — Você acha que a gente devia cancelar o baile, banquete, sei lá? — Ela perguntou, quase esperando um sim, esperando que ele dissesse que era besteira e que o grupo estava pirando. Os olhos estavam fixos em algum ponto que ela não conseguia enxergar. — Talvez... Não sei. Como tem se sentido? Nos deu um susto. — Tentou voltar ao seu ceticismo.
angelina donovan, eternamente com 23 anos, estudante de jornalismo.
20 posts